sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Costa Andrade

AUTOBIOGRAFIA -

Não existe mais
a casa onde nasci
nem meu Pai
nem a mulambeira
da primeira sombra.

Não existe o pátio
o forno a lenha
nem os vasos e a casota do leão.

Nada existe
nem sequer ruínas
entulho de adobes e telhas
calcinadas.

Alguém varreu o fogo
a minha infância
e na fogueira arderam todos os ancestres.


CELA COMUM

I


É preciso estar-se convencido de estar vivo
para estar vivo
mesmo que as paredes falem,
embrutecido o olhar.

Mas quantos são
o que vivendo
sabem que viver
é ter presente a terra recusada?

Ladrões e assassinos
mendigos e drogados
um velho murmura as suas rezas
e o poeta jovem
preso no átrio da sua faculdade
canta as flores úmidas
das noites importadas;
não despertados ainda
não acordaram para a noite
que os domina.


II

Não há navios negreiros nas baías,
o mercado da venda dos escravos
é parte da estratégia nova
que o país inteiro já tem dono
bebe whisky e chama-se yanquee.

(Poesia com Armas/70)


É GRATA

É grata esta certeza de encontrar
Após luas mais pesadas que cidades
Venceremos a palavra escrita em cada tronco do Maiombe.
Caia um braço as pernas fiquem pelas mulolas
Farrapos de pele nas espinheiras

Os olhos não!
Os olhos vejam
a ambicionada luz que se negara
antes de fevereiro

Teus lábios molhados de poesia
Condensada em gotas de cacimbo
cantam com os rios.

Túmidos estão os seios das mães e as folhas verdes

os mortos
agora já são vivos para sempre.

(Poesia com Armas/70)

Francisco Fernando da Costa Andrade ou simplesmente Costa Andrade, também conhecido por Ndunduma wé Lépi, nome de guerra adotado nos tempos da guerrilha no Leste de Angola, durante os idos anos 60 e 70, é natural do Lépi, localidade situada na atual província de Huambo, onde nasceu  em 1936. Fez os estudos primários e liceais na cidade do Huambo e Lubango. Da sua bibliografia, em que se inscrevem obras de poesia, ficção e ensaio, destacam-se, entretanto, pelo seu número as obras de poesia.

Obra: Terras das Acácias Rubras (1960, Lisboa, Casa dos Estudantes do Império),;Tempo Angolano em Itália (1962, São Paulo, Felman-Rego),; Armas com Poesia e uma Certeza (1973, Cazombo-DEC), ; O Regresso e o Canto (1975, Lobito, Cadernos Capricórnio); Poesia com Armas (1975, Lisboa, Sá da Costa); Caderno dos Heróis(1977, Luanda, União dos Escritores Angolanos); No Velho Ninguém Toca (1979, Lisboa, Sá da Costa); O País de Bissalanka (1980, Lisboa, Sá da Costa); O Cunene Corre para o Sul (1981, Luanda, União dos Escritores Angolanos), entre outros.  

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