sábado, 30 de janeiro de 2016

Livro conta história do primeiro milionário negro de Wall Street

Jeremiah G. Hamilton, milionário que teve a vida retratada em "Prince of Darkness"
Foto: Reprodução
Jeremiah G. Hamilton, milionário que teve a vida retratada em "Prince of Darkness

Armada de paus, pedras, cassetetes, tijolos, a multidão invadiu o Orfanato para Crianças Negras. Seus gritos de ódio vomitavam sangue: "Morte aos macacos!"
Antes da invasão do prédio na Quinta Avenida de Nova York, entre as ruas 43 e 44, os funcionários conseguiram tirar do asilo as 233 crianças que eram atendidas lá. Furiosa por não encontrar suas vítimas, a massa tacou fogo no edifício, que queimou inteiro.

Era o primeiro dia do Motim do Recrutamento (Draft Riots), que começou como revolta contra a convocação arbitrária de soldados para combater no Exército nortista, na Guerra Civil norte-americana, e se transformou em violência racial pura e simples.

Na terça-feira, 14 de julho de 1863, a barbárie continuava. Hordas de brancos armados perseguiam, espancavam e matavam os negros que viam em seu caminho. Alguns grupos de desordeiros tinham destino certo.

"Ses-sen-ta-e-oi-to! Ses-sen-ta-e-oi-to!", cantava ameaçadoramente uma turma que seguia pela rua 29. Protegidos por trás de suas janelas e cortinas, moradores brancos das elegantes casas da rua chique, observavam os invasores.

Por prosaico que pareça, quando a massa embrutecida chegou ao número 68 da rua 29 Leste, um dos atacantes teve a pachorra de tocar a campainha do sobrado.
Frente ao silêncio total, portas e janelas foram quebradas e derrubadas, e os atacantes chegaram derrubando móveis. Foram confrontados por uma elegante mulher branca, que teve calma para perguntar o que eles queriam.

"Matar o senhor Hamilton!", foi a resposta que Eliza Jane Hamilton recebeu, segundo ela mais tarde contou às autoridades policiais. Por certo, não foram essas as palavras exatas que ouviu. Talvez tivessem sido algo como "acabar com aquele negão" ou "enforcar o crioulo Hamilton".
Reprodução
Wall Street, centro financeiro de Nova York (EUA) em 1847
Wall Street, centro financeiro de Nova York (EUA) em 184

Quando morreu, no dia 19 de maio de 1875, aos 67 anos, 11 meses e 22 dias, dezenas de jornais norte-americanos publicaram obituários do milionário negro de Nova York. Com uma fortuna estimada em mais de US$ 2 milhões (mais de US$ 250 milhões nos dias de hoje), era o mais rico homem de cor dos Estados Unidos.Não conseguiram. Jeremiah G. Hamilton não só escapou do massacre -ao final dos quatro dias de tumulto em 1863, 119 pessoas tinham sido assassinadas, a maioria delas negros-como seguiu levando uma vida próspera e controversa.

Sua vida foi um turbilhão. Ao que se sabe, começou a carreira em 1828, traficando dinheiro falso no Haiti -foi condenado à morte pelas autoridades locais, que colocaram sua cabeça a prêmio.

Em 1833, porém, desembarcou em Nova York como homem de negócios. Na metrópole, fez de tudo: emprestou dinheiro a juros, atuou na área de seguros, negociou navios, comprou terras, arriscou-se na imprensa e se tornou o primeiro negro a atuar em Wall Street, o centro nervoso do mundo financeiro norte-americano.

Por sua cor e por seus métodos comerciais pouco ortodoxos -similares aos de seus pares, a bem da verdade–, foi alvo de ódio, desprezo e discriminação, além de admiração, por certo. Recebeu o apelido de Príncipe da Escuridão -havia quem, ainda mais ofensivamente, o chamasse apenas de Crioulo Hamilton.

Sua curiosa e nebulosa trajetória está contada em "Prince of Darkness - The Untold Story of Jeremiah Hamilton, Wall Street`s First Black Millionaire", obra do historiador britânico Shane White.

Talvez exatamente por ser negro, Hamilton não teve biógrafos contemporâneos, como outros magnatas da época -Cornelius Vanderbilt, por exemplo, com quem se enfrentou em momentoso processo nos tribunais nova-iorquinos.

Para contar a trajetória de seu personagem, White se baseou em reportagens e registros de tribunais -conseguiu levantar mais de 50 processos em que Hamilton era acusador ou acusado, além de outros em que apareceu como testemunha.

Recheia o relato com crônicas da época. Leva o leitor, por exemplo, a conhecer o mundo da imprensa de Nova York na primeira metade do século 19. Conta como surgiu a venda direta de jornal nas ruas da cidade, em 1833, e apresenta o primeiro jornaleiro de que se tem notícia, Bernard Flaherty, que tinha dez anos na época e vendia o recém-nascido "New York Sun" ao convidativo preço de um centavo.

Discute as complicações das finanças num período em que não havia nos Estados Unidos uma moeda única. E traça um quadro vivo da explosão da primeira bolha imobiliária nos EUA, que levou o país à sua primeira Grande Depressão, o Pânico de 1837.

Como pano de fundo, estão os horrores do racismo. Apesar de Nova York ter banido definitivamente a escravidão em 1827, a segregação prosseguiu.

Negros não podiam, por exemplo, usar transporte público com brancos. Tinham direito ao voto, mas as exigências para o registro eram tamanhas que isso se tornava praticamente impossível -dos 12.499 negros que moravam no Condado de Nova York em 1826, apenas 16 atendiam aos requisitos para se qualificar para votar.

Havia negros empresários, e alguns até fizeram fortuna. Mas deviam "conhecer o seu lugar", atuar na própria comunidade ou, no máximo, prestar serviços ao mundo branco -caso do famoso dono de restaurante Thomas Downing.

Jeremiah Hamilton escolheu subverter essa ordem. Como um furacão, invadiu um mundo de brancos, em uma área até então fechada aos homens de cor. E venceu.
RODOLFO LUCENA

Prince of Darkness
AUTOR Shane White
EDITORA St. Martin's Press
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/


quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Moçambique: NOVA MARCA DE ROUPAS DE CAPULANA PROMETE MUDAR A VIDA DE MULHERES POBRES NO PAÍS

Uma nova marca de roupas feitas na base da capulana promete mudar a vida de mulheres carenciadas de Pemba, no norte de Moçambique, um projeto de moda que visa dar oportunidade a mães solteiras e desfavorecidas.



A marca, designada “Ikuru” - que significa força, na língua macua -, foi criada há um ano e pretende, além de exaltar valores africanos a partir da capulana, dar ensejo a mães solteiras de Pemba, na província de Cabo Delgado, proporcionando-lhes oportunidades de trabalho bem como meios para uma formação técnica específica em áreas relacionadas com a moda.

“A ideia é unir a moda à responsabilidade social”, disse à Lusa a fundadora e gestora da Ikuru, Sarah Bove, salientando que um dos principais desafios da iniciativa atualmente é a expansão do projeto para outras províncias moçambicanas.

Com uma linha simples e alegre, resultante das cores vivas da capulana, as roupas Ikuru procuram aliar o estilo clássico africano às atuais tendências da moda, sem, no entanto, perderem o espírito e os valores locais.

“As nossas roupas são vivas e simples, para todos os gostos”, salientou Sarah Bove, reiterando que “mais do que uma marca, esta é uma forma de melhor a vida de mulheres de famílias carenciadas.

A iniciativa conta atualmente com sete trabalhadores, entre modista e gestores, e um dos principais desafios que a marca está enfrentar atualmente está relacionado com a sustentabilidade do projeto.

“Em termos de investimento, não tivemos ainda ajuda nenhuma”, lamentou a fundadora do projeto, acrescentando que, embora as vendas consigam cobrir algumas despesas internas, a marca precisa de mais fundos para aumentar o número de beneficiários.

Além da formação técnica específica numa área relacionada com a moda, as mulheres beneficiárias são instruídas em matérias ligadas com a sua sexualidade, através de aconselhamentos e palestras organizadas em parceria com organizações não-governamentais interessadas em áreas como o combate à aids.
“Queremos também ter a certeza de que as nossa mulheres estão em segurança e sabem qual é a importância disse para o futuro das suas famílias”, disse Sarah Bove, enaltecendo a importância de iniciativas similares num momento em que o empreendedorismo social parece ser o caminho ideal para a juventude em Moçambique.

Recentemente, a marca apresentou uma das suas coleções de roupa no Mozambique Fashion Week, o principal evento de moda no país, que juntou renomados estilistas moçambicanos na capital moçambicana e.
“A Ikuru é uma pequena iniciativa, estamos cientes disso, mas é uma forma de fazermos o nosso papel, unindo o bom gosto à responsabilidade social”, concluiu a fundadora do projeto.
Fonte: http://lifestyle.sapo.mz/



CABO-VERDIANA DISPUTA TÍTULO DE “MISS AFRICA UTAH”

Alisha Moreira é uma das 10 candidatas ao concurso promovido no estado de Utah, nos EUA.


Candidata Miss Africa Utah
créditos: Facebook Miss Africa Utah

O concurso “Miss Africa Utah”, MAU, é promovido pela GK Folks Foundation e teve a sua primeira edição em 2011.
Segundo avança a página de Facebook da fundação, mais do que um concurso de beleza, este evento tem por “objetivo promover a diversidade da cultura africana, proporcionando oportunidades na área da educação, como bolsas de estudo, para jovens mulheres africanas estudantes nos EUA”.
Para ser candidata é necessário ter a idade compreendida entre os 18 e os 30 anos; ser descendente de africanos; residir no estado de Utah; e estar disponível para desempenhar as funções de Miss durante um ano no mesmo estado.
Alisha Moreira, de 20 anos, foi escolhida como representante de Cabo Verde no MAU em dezembro de 2015. A jovem é natural da Praia e reside nos EUA desde 2012.
Além de Cabo Verde, o evento conta com representantes de nove países africanos: Uganda, Nigéria, Ruanda, Namíbia, Etiópia, Quênia, República Democrática do Congo, Camarões e Costa do Marfim.
Entre os vários prêmios da vencedora do concurso estão uma bolsa universitária, uma sessão fotográfica, cartões-de-visita, prêmios patrocinados diversos, bem como a oportunidade de representar o seu país de origem em vários eventos.

A Gala final acontece a 9 de abril em Salt Lake City, capital do estado de Utah, nos EUA.
Fonte: http://lifestyle.sapo.mz/

Mulher “foi muito negligenciada” no desenvolvimento africano, diz embaixador

Representante da União Africana falou à Rádio ONU, de Adis Abeba, sobre a Cimeira de chefes de Estado e de governo; líderes do continente abordam conflitos e ação perante os baixos preços de matérias-primas no fim de semana.


Téte António. Foto: ONU/Amanda Voisard

Eleutério Guevane, da Rádio ONU em Nova Iorque.
O embaixador da União Africana junto às Nações Unidas falou à Rádio ONU, de Adis Abeba, sobre os preparativos da 26ª Conferência da União Africana a decorrer a 30 e 31 de janeiro.
Téte António contou que uma série de eventos vai destacar o papel feminino para promover o avanço africano. O diplomata mencionou ações sobre o plano para transformar o continente em 50 anos e a nova agenda global.
Posição Comum
“O destaque é mesmo os direitos humanos e as mulheres, mas também é uma cimeira para avaliar um pouco as políticas que nós próprios decidimos sobre o primeiro plano de 10 anos da Agenda 2063 (de África). Isso foi refletido pela presidente (da Comissão da União Africana) no seu discurso na abertura da reunião dos embaixadores; e a Agenda 2030, que contém muitas opiniões expressas na posição comum africana sobre o pós-2015. Também vamos falar muito do desenvolvimento, penso que temos que partir por aí.”
Nesta quarta-feira decorrem encontros de ministros africanos dos Negócios Estrangeiros após um retiro que analisou temas sobre o continente.
Téte António citou o papel feminino diante do “imperativo” de industrializar África, com o “desenvolvimento econômico afetado pela redução dos preços de matérias-primas”, com destaque para o petróleo.
Mulher Negligenciada
“É a mulher que tem um impacto na família, na educação da população e em tudo. Esta parte foi muito negligenciada e é preciso corrigir isso. Penso que é nesse sentido (o destaque) nos dois anos. No ano passado foi capacitação da mulher e este ano vai se falar dos seus direitos que, como se sabe, são violados. Nós já conhecemos o que se passa em zonas de conflito, é um dos fenômenos  que mais se regista em África, sobretudo no leste da República Democrática do Congo.”
O secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, segue na quinta-feira para participar no evento de líderes africanos na capital etíope.
No dia seguinte, o Conselho de Paz e Segurança da União Africana reúne chefes de Estado e de governo antes da plenária a decorrer no fim de semana.
Téte António disse que as crises do Burundi, da Líbia e outros conflitos do continente serão discutidos pelo órgão.
Fonte: radioonu

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Lupita Nyong'o, atriz de 'Star Wars', assistia à saga em infância no Quênia

Ela tem a força por Rodrigo Salem - Atriz Lupita Nyong'o, que interpreta a pirata Maz Kanata no novo Star Wars, costumava assistir à saga durante a infância no Quênia #serafina93
Matias Indjic
Lupita Nyong'o, que interpreta pirata no novo "Star Wars", assistia à saga durante a infância no Quênia

Era uma sessão especial para fãs de "Star Wars". A Disney fechou uma sala de cinema do Antara Fashion Mall, um shopping metido a besta na Cidade do México, e chamou duas centenas de admiradores para assistirem a dez minutos inéditos de "O Despertar da Força", início da nova trilogia da saga criada por George Lucas. Depois, acompanharam uma conversa com a produtora Kathleen Kennedy e dois dos seus atores, Oscar Isaac, 36, e Lupita Nyong'o, 32.

Boa parte do evento, no entanto, foi de gritaria de fãs de todas as idades: "I love you, Lupita!", "Te amo, Lupita!".

"Isso nunca aconteceu com '12 Anos de Escravidão'", brinca a vencedora do Oscar de melhor atriz coadjuvante em sua estreia em um longa-metragem, há dois anos. "Estou vivendo em um mundo diferente agora, preciso me ajustar rapidamente. 'Star Wars' é um fenômeno cultural maior que a vida, maior que qualquer um de nós. Um filme que passa de geração para geração."

Nascida na Cidade do México, em 1983, Lupita foi batizada em homenagem à Santa María Guadalupe, a "mãe Lupita", beata de Jalisco. Na época, seu pai, o queniano Peter Anyang' Nyong'o, era professor de ciências políticas na universidade local. Embora tenha se mudado para o Quênia ainda criança, Lupita fala espanhol quase fluentemente.

Desde que segurou a estatueta dourada pelo papel de uma escrava barbarizada em uma fazenda no sul dos EUA, a atriz pouco fez: uma ponta em "Sem Escalas", filme de ação com Liam Neeson, e a peça off-Broadway "Eclipsed".

Agora, está prestes a saltar para outro nível de fama com a estreia de "Star Wars: Episódio 7 - O Despertar da Força". "Não sei se estou confortável com essa atenção toda. Aliás, não sei se alguém consegue ficar confortável, mas estou me divertindo. É fascinante o nível de entusiasmo gerado por 'Star Wars'", conta ela à Serafina, um dia depois do encontro com os fãs em sua cidade natal.
*
CAPTURA DE PERFORMANCE
A atriz aparece de forma discreta na aventura espacial dirigida por J.J. Abrams. Ela interpreta Maz Kanata, uma pirata intergaláctica milenar que terá um papel importante na busca por Luke Skywalker (Mark Hamill).

Nas telas, estará escondida sob terabytes de maquiagem digital: sua personagem é inteiramente criada por efeitos de computação gráfica baseados em "captura de performance", técnica na qual a intérprete tem a face e o corpo cobertos por pontos que reproduzem sua atuação. "Encontro esses pontos de captura até hoje nas minhas roupas." "[O diretor] J.J. me explicou um pouco sobre a personagem, mas fiquei interessada mesmo na tecnologia."

Muitos questionaram como uma atriz iniciante e em ascensão decidiu se esconder por trás de uma máscara virtual, mas Lupita diz que não se arrepende da decisão. "Atores que admiro, como Benedict Cumberbatch e Zoe Saldana, passaram por essa experiência", conta ela, referindo-se a intérpretes de "O Hobbit" e "Avatar", respectivamente. "Depois de '12 Anos de Escravidão', da exposição positiva e da onda de prêmios, queria fazer algo que passasse longe daquilo tudo."

Apesar de mostrar à reportagem o boneco de um soldado imperial guardado na sua bolsa, a atriz revela que só começou a ser mais nerd ao ganhar o papel na nova trilogia. "Nasci no mesmo ano em que 'O Retorno de Jedi' foi lançado, então o mundo em que cresci já estava acostumado a 'Star Wars'. Mas não estava ciente do fanatismo em torno dos filmes", conta ela, que aprendeu a gostar da série ao assisti-la na TV durante a infância no Quênia. "Tenho certeza de que em algum momento da minha vida brinquei de ser a princesa Leia."

Pergunto da importância de ter um herói negro (John Boyega no papel de Finn) e uma heroína mulher (Daisy Ridley, intérprete de Rey) como protagonistas de um filme do tamanho de "Star Wars", e ela defende a saga ferozmente. "Ei, a princesa Leia era protagonista. E Rey é a continuação do legado de Leia, que quebrou tabus naquela época e mudou a maneira de como muita gente via o mundo", rebate.

Eleita a mais bela do mundo em 2014 pela revista "People", ela fecha 2015 como uma pirata alienígena. "Hoje, mulheres interpretam funções relevantes e não são reconhecidas apenas pelo corpo." 

POR RODRIGO SALEM
DA CIDADE DO MÉXICO
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/serafina/2016/01

As batidas do samba e as de um bar na Tijuca

Desconfie quando o sabichão afirmar que aquele gênero musical nasceu no ano e dia tais, na casa de fulano, às tantas horas de uma quinta-feira chuvosa. Tem toda a pinta de chute, e é chute.

A Prefeitura do Rio caiu nessa e, desde o Réveillon, anda badalando 2016 como o ano do centenário do samba –como se uma Olimpíada inteira não bastasse para fazer onda.

Até entende-se: a premissa é o registro como samba na Biblioteca Nacional, em 1916, de uma colcha de retalhos musicais chamada "Pelo Telefone", que, do gênero como o conhecemos, quase nada tem. Melhor seria dar-lhe o título de composição brasileira mais polêmica de todos os tempos.

A gravação de "Pelo Telefone", em 1917, apresenta melodias e refrões diferentes, sendo que o refrão da quarta parte tem origem no folclore nordestino. De estrutura desordenada, no conjunto aproxima-se mais de um maxixe, surgido de versos e melodias improvisados, como era comum nas casas das baianas da praça Onze.
Foto Divulgação
O músico Donga
O músico Donga
Tanto que, além de seus dois autores "oficiais", Donga e Mauro de Almeida, outros se apressaram em reclamar a autoria: Germano Lopes da Silva, Hilário Jovino Ferreira, João da Mata, Minan, Didi da Gracinda, Sinhô e a própria Tia Ciata.

Também registrado na Biblioteca Nacional como "samba de partido alto" em 1913 –portanto, três anos antes de "Pelo Telefone"– já havia aparecido "Em Casa de Baiana", de Alfredo Carlos Brício.

Em 1914, com "A Viola Está Magoada", gravado pelo cantor Baiano para a Casa Edison, novamente em selo de disco é usada a denominação "samba".

Se este é mesmo o ano do centenário do gênero, é de se perguntar por que nenhuma escola de samba do Grupo Especial escolheu a efeméride como enredo. Alguém bobeou, ou se esqueceu de combinar com o marqueteiro de plantão.

CARNAVAL DA CRISE

Por sinal, as escolas –que receberam verba em dobro da prefeitura, R$ 2 milhões cada uma– vivem um momento delicado. Com o avassalador Carnaval das ruas, o desfile corre o risco de se tornar uma manifestação restrita a iniciados –além dos turistas, é claro.

Não é surpresa nos dias de hoje encontrar quem vá somente aos ensaios nas quadras, ou mesmo aos ensaios técnicos no Sambódromo, e passe longe da Marquês de Sapucaí nos dias de festa.

Nas próximas duas semanas, até o pico na Terça-Feira Gorda, a animação não será diferente.

Mais de 50 novos blocos vão pular na cidade –a lista dos autorizados bate agora nos 505. Mas sempre há os "sujinhos", que surgem fora da lei, na marra da alegria. Sem falar no combustível extra, a crise, que promete um festival povoado de máscaras do "japonês da Federal" e marchinhas que descobrem rimas insuspeitadas para Cunha e Rousseff.
DIVINO DA TIJUCA
Paulo Mendes Campos gostaria de ter escrito "A História dos Bares Cariocas", livro quase impossível. Agradava-lhe a ideia de bar como espaço kafkiano, onde as pessoas aparecem do nada sem ser convidadas.

Nas pegadas de PMC, Paulo Thiago de Mello e Zé Octávio Sebadelhe fizeram "Memória Afetiva do Botequim Carioca" [José Olympio, 256 págs., R$ 65]. São 26 verbetes, com rara iconografia, sobre nossa tradição etílica e gastronômica: Café Nice, Zicartola, Suvaco de Cobra, Taberna da Glória, A Paulistinha, Antonio's, Beco da Fome, Veloso, Divino.

Não conhece o Divino? Pois era lá, nas quebradas da Tijuca, que Jorge Benjor, Tim Maia e Erasmo Carlos dividiam a pizza nos anos 1960. E, como reza o rock, onde a confusão começou.

REDUTO KAFKIANO

Se fosse carioca, Kafka moraria na Tijuca. Impedido processualmente de sair da rua Haddock Lobo e arredores, não teria outro jeito senão escolher o Madrid como bar predileto. Aberto há seis meses, fica numa pequena rua residencial, quase sem trânsito de carros ou pessoas, a Almirante Gavião.

O escritor olharia sem espanto as paredes, onde há retratos de Julio Iglesias e Getúlio Vargas, além de uma flâmula do quase extinto América Football Club. Por sugestão do dono, o galego Felipe Quintans, Kafka comeria uma tapa de chorizo com batata-baroa. Para bicar, batida de maracujá.

ALVARO COSTA E SILVA, o Marechal, 53, é autor de "Dicionário Amoroso do Rio de Janeiro" (Casarão do Verbo)
Fonte: folhauol

sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

15 de janeiro de 1929: nascia em Atlanta, Georgia (EUA), Martin Luther King Jr.

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Em 15 de Janeiro de 1929 nascia Martin Luther King Jr., na cidade de Atlanta (EUA). Filho e neto de pastores protestantes batistas fez seus primeiros estudos em escolas públicas segregadas e graduou-se no prestigiado Morehouse College, Em 1948, formou-se em teologia pelo Seminário Teológico Crozer e, em 1954, iniciou suas atividades como pastor em Montgomery, capital do estado do Alabama. Em 1955, concluiu o doutorado em filosofia pela Universidade de Boston, onde conheceu sua futura esposa, Coretta Scott.
Luther King foi um grande defensor da resistência não violenta contra a opressão racial e, por este motivo, elevado à condição de líder do movimento em favor dos direitos civis dos afro-americanos. Luther King lutou por um tratamento igualitário e contribuiu para a melhoria da situação da comunidade negra mediante protestos pacíficos e discursos enérgicos sobre igualdade racial.
Em 1955, organizou o famoso boicote ao transporte público em Montgomery, em protesto contra a prisão de Rosa Parks, uma mulher negra que se recusou a dar lugar a uma passageira branca em um coletivo. A ação, que durou 381 dias, representou uma grande vitória para o protesto pacifista, fazendo com que Luther King emergisse como líder altamente respeitado.
Apesar do reconhecimento, Luther King foi preso, teve sua casa atacada e recebeu diversas ameaças contra a sua vida. Não obstante, nem a violenta repressão policial enfraqueceu o movimento. Por fim, em 21 de dezembro de 1956, a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu pelo fim da segregação racial nos transportes públicos.
Em 1957, participou da fundação da Conferência de Liderança Cristã do Sul (SCLC, na sigla em inglês), que lutava pelos direitos civis e era liderada por Luther King, que passou a ser citado como referência na busca pela igualdade racial. No ano de 1963, ele comandou um protesto não-violento em Birmingham, também no Alabama, uma das regiões mais segregacionistas do país na época. O protesto foi fortemente sufocado pelas forças locais do comissário de segurança pública Theophilus Connor (O Touro), onde foram feridos vários manifestantes, incluindo crianças e aproximadamente 3.300 negros foram presos, inclusive Luther King.
Esse acontecimento foi mostrado a todo o planeta e atraiu uma legião de adeptos à causa dos direitos civis dos negros estadunidenses, ocasionando outro grande momento ainda, em 1963: a Marcha pelo Trabalho e pela Liberdade, em Washington, que reuniu mais de 250.000 adeptos em frente ao Memorial Lincoln. Ocasião na qual Luther King proferiu seu mais famoso discurso, “Eu Tenho Um Sonho”. No mesmo dia, uma comissão de lideranças da Marcha de Washington, como ficou conhecido o episódio, foi recebida pelo então presidente John Kennedy, que declarou apoio à pauta de reivindicações.
No ano seguinte, foi aprovado o Ato dos Direitos Civis, que baniu a segregação e discriminação racial em escolas e locais públicos, e, em 1965, a Lei dos Direitos de Voto, que também foi conquistada em decorrência das manifestações.
O ano de 1964 foi marcado pelo reconhecimento mundial pelos esforços de Martin Luther King por um mundo mais justo e igualitário e por sua militância em defesa da vida, o que se deu por meio do Prêmio Nobel da Paz. Aos 35 anos, Luther King tornou-se o mais jovem a receber o Nobel.
O líder aos poucos foi ampliando seus objetivos e, ao mesmo tempo, ganhava mais inimigos, tanto entre brancos como entre negros que acreditava que a filosofia da não-violência não trazia resultados práticos. Respondendo às alas radicais do movimento, disse que o povo negro não deveria matar a sede de liberdade na taça do ódio e da revolta, mas que, porém, não deveria se sentir satisfeito com as meias-verdades oferecidas pelas elites do país.
Em 1967, Luther King, apesar das tentativas de dissuasão feita por alguns de seus companheiros de luta, temerosos de que os negros americanos fossem acusados de antipatriotismo, posicionou-se contra a Guerra no Vietnã com discursos como “Além do Vietnã” e “Por que sou contra a guerra no Vietnã?”.
Durante sua luta, Luther King recebeu inúmeras ameaças, teve sua casa depredada, foi esfaqueado por uma mulher negra com problemas mentais e foi preso inúmeras vezes. Na noite de 04 de Abri de 1968, foi assassinado a tiros na varanda do seu quarto em um Hotel em Memphis, Tennesse, onde estava em apoio a uma greve de coletores de lixo, por um homem branco que havia escapado da prisão.
Em 1986 foi estabelecido um feriado nacional nos Estados Unidos para homenagear Martin Luther King, o chamado “Dia de Martin Luther King” (sempre na terceira segunda-feira do mês de janeiro, data próxima ao aniversário de King). Em 1993, pela primeira vez, o feriado foi cumprido em todos os estados do país.
No ano de 2011, o presidente dos EUA, Barack Obama, inaugurou, no Washington Mall, um monumento em homenagem a Martin Luther King Jr, uma estátua de 9m de altura, esculpida em granito branco chinês pelo artista Lei Yixin. Luther King é o único líder que não assumiu o posto máximo de sua nação a receber uma homenagem no Mall – até então um panteão dedicado a presidentes americanos: George Washington, Thomas Jefferson, Abraham Lincoln e Franklyn Roosevelt.
Fonte: FCP

Edital “Cultura Negra em Foco” – inscrições abertas


Estão abertas as inscrições para o edital “Cultura negra em Foco”, lançado pelo Baobá – Fundo para Equidade Racial em parceria com a Coca-Cola Brasil. O edital é voltado para Organizações – com ou sem fins lucrativos – que desenvolvam projetos com foco em promoção da cultura e identidade negra, seja através de moda, gastronomia, teatro, dança, artesanato, literatura ou quaisquer outras linguagens.
Para participar as instituições devem estar formalmente constituídas e possuir registro no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ). É importante que os projetos sejam inovadores e que trabalhem a questão da identidade negra no Brasil. Cada projeto poderá receber até 40 mil reais.
O objetivo é investir o recurso em um segmento que já esteja em andamento nas organizações, para potencializar o trabalho que já vem sendo realizado e viabilizar uma comparação da instituição antes e depois do apoio financeiro.
As inscrições ficam abertas até dia 13 de março de 2016.

André Rebouças – engenheiro arrojado, abolicionista imprescindível



André Pinto Rebouças nasceu na cidade de Cachoeira – BA, em 13 de janeiro de 1838, filho mais velho de Antônio Pereira Rebouças e Carolina Pinto Rebouças. Possuía sete irmãos.
Embora vivendo no século XIX, numa família de afrodescendentes, sua mãe era filha de comerciantes e seu pai, um homem importante e de grande prestígio na época. Advogado autodidata, representou o estado da Bahia na Câmara dos Deputados por diversas legislaturas, foi secretário de governo da, então, província de Sergipe, e conselheiro do Império.
Essa condição familiar atípica para o período garantiu a André Rebouças e seus irmãos uma educação de qualidade. Em 1846, muda-se com a família para o Rio de Janeiro e, em 1854, aos 16 anos, ingressa, junto com seu irmão Antônio Rebouças, na Escola Militar (posteriormente, Escola Politécnica, no Largo do São Francisco), de onde saem, após conclusão do curso preparatório, como 2º tenente do Corpo de Engenheiros. O complemento do estudo de ambos se dá na Escola de Aplicação da Praia Vermelha. André tornou-se bacharel em Ciências Físicas e Matemáticas, em 1989, obtendo o grau de engenheiro militar, no ano seguinte.
Novamente em companhia de seu irmão Antônio, viaja para a Europa motivado pelos estudos, entre fevereiro de 1861 e novembro de 1862. Ao retornar, passam a trabalhar como comissionados do Estado brasileiro com a incumbência de vistoriar e aperfeiçoar os portos e fortificações litorâneas, elementos estratégicos na garantia da soberania brasileira.
Atuou como engenheiro militar na Guerra do Paraguai, a partir de maio de 1865, porém dado a problemas de saúde, retorna à capital do Império em julho de 1866.
Desse momento em diante, passa a desenvolver projetos com seu irmão Antônio na tentativa de estruturação de companhias privadas com a captação de recursos junto a particulares e a bancos, visando a modernização do país.
As obras que André realizou como engenheiro estavam ligadas ao abastecimento de água na cidade do Rio de Janeiro, às docas Dom Pedro II e à construção das docas da Alfândega. Os irmãos Rebouças foram responsáveis pelo projeto da estrada de ferro que liga Curitiba ao porto de Paranaguá, considerada, até hoje, uma obra de concepção arrojada.
Na década de 1880, André se engaja na campanha abolicionista, ao lado de Joaquim Nabuco, José do Patrocínio, Cruz e Souza, e Machado de Assis, todos representantes da diminuta classe média negra em ascensão durante o Segundo Reinado.
Ajudou a criar a Sociedade Brasileira Contra a Escravidão, participou também da Confederação Abolicionista e redigiu o estatuto da Associação Central Emancipadora. Participou da Sociedade Central de Imigração, juntamente com o Visconde de Taunay.
Dotado de uma visão progressista e liberal, contrapôs-se firmemente à indenização dos senhores de escravos, posto que, conforme defendia, o trabalho desempenhado pelo escravo superava em muito qualquer que tenha sido o investimento feito pelo senhor. Ademais, sustentava que conceder as tais indenizações significaria reconhecer a legitimidade de se possuir escravos, o que para ele era absurdo, já que o desempenho de qualquer trabalho deveria ser retribuído por meio de um salário. Saliente-se que, para André, o salário deveria garantir a autonomia e a dignidade dos trabalhadores, caso contrário, representaria uma re-escravização.
Por meio de seu livro Agricultura nacional, estudos econômicos: propaganda abolicionista e democrática, André Rebouças advogava que a existência de uma real emancipação e integração do negro na sociedade nacional estaria atrelada à garantia de acesso à terra. Argumento esse que até hoje mantém-se relevante.
Monarquista e possuindo vínculos muito estreitos com Dom Pedro II, acompanhou a família real em seu exílio após a Proclamação da República, em 1889. De Lisboa, colaborou com os jornais Gazeta de Portugal e The Times, de Londres.
Em 1892, transferiu-se para Cannes, na França, a pedido de D. Pedro II, lá permanecendo até o falecimento do antigo imperador. Nesse mesmo ano, devido a problemas financeiros, aceitou trabalhar em Luanda, Angola. No entanto, pouco mais de um ano depois, mudou-se para Funchal, na Ilha da madeira.
Deprimido pelo exílio e com constantes problemas de saúde, em 09 de maio de 1898, André Rebouças atirou-se de um penhasco, próximo ao hotel em que vivia.
A importância de André Rebouças para a modernização do país e para a abolição da escravatura revela-se na toponímia de várias cidades brasileiras, a exemplo do bairro Rebouças, em Curitiba, da avenida Rebouças, em São Paulo, e do túnel homônimo, no Rio de Janeiro.
Fonte: FCP

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

'Negros não puderam viver luto pela escravidão'

Foto: Divulgação
Juliana Luna | Foto: Divulgação
Artista carioca foi uma das 150 pessoas convidadas a fazerem testes genéticos e visitarem o país de seus ancestrais

Entre os séculos 16 e 19, o Brasil recebeu ao menos 4,8 milhões de africanos escravizados, todos forçados a abandonar sua identidade ao embarcar para o país.
A produtora Cine Group convidou 150 brasileiros a fazer um exame de DNA para identificar o local de origem de seus antepassados africanos.
Após os resultados, a produtora acompanhou as viagens de cinco participantes às regiões de seus ancestrais.
As gravações darão origem à série televisiva Brasil: DNA África, a ser lançada nos próximos meses (a produtora ainda negocia os direitos de transmissão). A BBC Brasil entrevistou dois participantes sobre a experiência.
Leia abaixo o relato da artista e empreendedora carioca Juliana Luna, de 29 anos, que se descobriu descendente do povo iorubá, da Nigéria:
"Na Bolívia, onde vivi parte da minha infância, existe uma superstição engraçada. Quando veem um negro, muitos têm o costume de beliscá-lo. Eles acham que isso dá sorte. Voltava da escola cheia de beliscões, e um dia minha mãe teve até que conversar com o diretor.
Mesmo assim, só comecei a questionar para valer minhas origens muito mais tarde, aos 17, quando morava no Rio e raspei meu cabelo. Ele era bem longo, resultado de um processo de relaxamento.
Foi um alívio. Minha mãe achou que eu estava perturbada e quis me levar ao psicólogo. Eu disse que precisava entender quem era.
Deixei o cabelo crescer naturalmente e passei a me identificar como negra. Na adolescência, eu me via como parda – até porque, quando dizia que era negra, as pessoas respondiam: 'Imagina!', como se isso fosse algo ruim.
Quando o exame no projeto Brasil: DNA África mostrou que eu descendia dos iorubás, da Nigéria, não acreditei. Já fazia algum tempo que eu vinha dando oficinas sobre como montar turbantes. E quem me ensinou a fazê-los foi uma família iorubá que conheci em Boston (EUA).
Tinha ido passar um feriado na casa de um amigo e, quando vi aquelas mulheres maravilhosas, com turbantes bombando, pensei: 'preciso disso na minha vida'.
Eu estava numa situação difícil, vivendo um relacionamento tóxico. Quando colocava o turbante, ele ia me enchendo de força, me revigorando de uma forma que não conseguia entender. Era a minha coroa.
Foto: Divulgação
Juliana Luna | Foto: Divulgação
"Na adolescência, quando dizia que era negra, as pessoas respondiam: 'Imagina!', como se isso fosse algo ruim"
Na Nigéria, entrevistei o músico Femi Kuti, um cara que usa sua arte como forma de militância. Ele disse que o povo africano não teve tempo de chorar, de viver o luto pelas pessoas sacrificadas pela escravidão. Comparou com o caso dos judeus, que sofreram o Holocausto mas depois tiveram uma fase de cicatrização e reconciliação.
Na Alemanha, toda vez que muda o primeiro-ministro (chanceler), ele tem de pedir perdão pelo massacre dos judeus. Não houve isso no nosso caso, tudo sempre foi jogado para baixo do tapete.
Também entrevistei o Wole Soyinka, primeiro negro a ganhar o Nobel de Literatura. Ele tinha uma voz superforte – parecia um deus – e me disse que a única coisa que pode fazer com que a reconciliação aconteça é a arte, que só ela pode construir uma ponte entre universos tão quebrados. Porque a arte cria reverberações e é uma linguagem que todo mundo consegue entender.
Fiquei muito tocada com as conversas e pensei que, com minha arte com os turbantes, estou criando micro-reverberações. Porque eu não o ensino só para mulheres negras, mas também para as brancas.
Quando fui convidada ao programa da Fátima Bernardes, na Globo, fiz um turbante na cabeça dela. As pessoas ficaram bem incomodadas não só pelo fato de que ela, representante da elite branca brasileira, havia usado um turbante, mas porque eu, uma negra, tinha feito o turbante nela.
Eu vi aquilo como um 'hackeamento', uma forma de construir um diálogo, para que a gente avançasse a outro patamar.
Muitas vezes somos agressivos e ficamos nessa dualidade você-eu, mas nem sempre o conflito nos ajuda a crescer. Minha forma de hackear o sistema foi fazer um turbante na elite branca em rede nacional. Sem agredir, só educando.
Foto: Divulgação
Juliana Luna | Foto: Divulgação
Turbantes de Juliana fizeram sucesso, mas ela recebeu críticas por ter feito um em Fátima Bernardes
A viagem para a Nigéria me despertou para a importância de nos conectarmos com nossa ancestralidade. Lá aprendi que, na filosofia iorubá, todos pertencemos a uma linha, costurada e conectada a tudo que remete aos ancestrais.
Por isso, quando uma criança nasce, não é nomeada no primeiro dia. Os mais velhos se reúnem e perguntam aos espíritos dos ancestrais como ela deve se chamar. O nome é a missão de vida daquela pessoa.
Lá também ouvi que, independentemente da cor da pele, somos todos conectados e existe um fluxo de consciência coletiva. Não é porque não sou judia que não vou sentir empatia pelo que os judeus sofreram no Holocausto. Quando você se coloca no lugar do outro, deixa de ser você e passa a ser o outro.
É isso o que nos falta na questão do negro. Se cada um buscar essa conexão, assumir sua responsabilidade e pedir perdão, veremos que estamos todos no mesmo barco."

Sarah Baartman: a chocante história da africana que virou atração de circo


Em outubro de 1810, Sarah Baartman foi levada da África do Sul à Grã-Bretanha para aparecer em espetáculos. (Foto SPL)

Há dois séculos, Sarah Baartman morreu após passar anos sendo exibida em feiras europeias de "fenômenos bizarros humanos". Agora, rumores de que sua vida poderia ser transformada em um filme de Hollywood estão causando polêmica.
Sarah Baartman morreu em 29 de dezembro de 1815, mas o show, sob uma perspectiva ainda mais macabra, continuou.
Seu cérebro, esqueleto e órgãos sexuais continuaram sendo exibidos em um museu de Paris até 1974. Seus restos mortais só retornaram à África em 2002, após a França concordar com um pedido feito por Nelson Mandela.
Ela foi levada para a Europa, aparentemente, sob promessas falsas por um médico britânico. Recebeu o nome artístico de "A Vênus Hotentote" e foi transformada em uma atração de circo em Londres e Paris, onde multidões observavam seu traseiro.
Hoje em dia, ela é considerada por muitos como símbolo da exploração e do racismo colonial, bem como da ridicularização das pessoas negras muitas vezes representadas como objetos.

Boatos

Recentemente, começou a correr um rumor de que a cantora Beyoncé estaria planejando escrever e protagonizar um filme sobre Baartman.
Os representantes da artista negaram essa informação, mas o burburinho foi suficiente para provocar preocupação.
Jean Burgess, chefe do grupo khoikhoi – a etnia de Baartman – disse que Beyoncé não conta com "a dignidade humana básica para ser digna de escrever a história de Sarah, menos ainda para interpretá-la". Ela justificou que via com "arrogância" a suposta ideia de Beyoncé de "contar uma história que não pertence a ela" e sugeriu que a atriz fizesse um filme sobre indígenas americanos.
Getty
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Boato de filme sobre vida de Baartman foi desmentido por equipe de Beyoncé
Já Jack Devnarain, presidente do Sindicato de Atores da África do Sul, disse que os cineastas têm "direito de contar a história de pessoas que as fascinam e não devemos nos opor a isso".
Ao negar qualquer vínculo com o filme, o representante de Beyoncé ponderou que "esta é uma história importante que deve ser contada".

História

A vida de Baartman foi marcada por penúrias.
Acredita-se que ela tenha nascido na Província Oriental do Cabo da África do Sul em 1789.
Sua mãe morreu quando ela tinha dois anos e seu pai, um criador de gado, morreu quando ela era adolescente.
Ela começou a trabalhar como empregada doméstica na Cidade do Cabo quando um colono holandês assassinou seu companheiro, com quem havia tido um bebê que também morreu.
Em outubro de 1810, apesar de ser analfabeta, ela supostamente assinou um contrato com o cirurgião inglês William Dunlop e o empresário Hendrik Cesars, dono da casa em que ela trabalhava, que disse que ela viajaria para a Inglaterra para aparecer em espetáculos.

Atração

Quando ela foi exibida em um estabelecimento em Piccadilly Circus, em Londres, causou fascinação.
"É preciso lembrar que, nesta época, nádegas grandes estavam na moda, e por isso muitas pessoas invejavam o que ela tinha naturalmente", diz Rachel Holmes, autora de A Vênus Hotentote: vida e morte de Saartjle Baartman.

O motivo para isso é que Baartman, também conhecida como Sara ou Saartjie, tinha esteatopigia, uma condição genética que faz com que a pessoa tenha nádegas protuberantes devido à acumulação de gordura. Essa condição é mais frequente em mulheres e principalmente entre aquelas de origem africana.
A Venus de nádegas "belas" e as curvas de uma mulher 'esteatopígica'
Mas a própria palavra é motivo de debate, porque, para muitos, seria racista o fato de ela sugerir que se uma mulher tem nádegas grandes e é negra, sofre de uma doença.
Já para as nádegas pequenas a palavra é "calipigia", em referência à famosa estátua romana Vênus Calipigia – que significa "a Vênus das nádegas belas".

Toda uma Vênus

No espetáculo, Baartman usava roupa justa e da cor da sua pele, contas e plumas e fumava um cachimbo.
Clientes mais abastados podiam pagar por demonstrações privadas em suas casas, em que era permitido que os convidados a tocassem.
Os "empresários" de Baartman a apelidaram de "Vênus Hotentote" porque, nesta época, esse era o termo que os holandeses usavam para descrever os khoikhois e aos san, os principais membros de um importante grupo populacional africano, os khoisans.
Atualmente, o termo 'hotentote' é considerado pejorativo.

Livre ou assustada?

Nesta época, o império britânico já havia abolido o tráfico de escravos (em 1807), mas não a escravidão.

Mesmo assim, ativistas ficaram horrorizados com a forma como os empresários de Baartman a tratavam em Londres.
British Museum
British Museum
Charges políticas foram feitas com figura de Baartman
Eles foram processados judicialmente por deter Baartman contra sua vontade, mas foram declarados inocentes. A própria Baartman testemunhou a favor deles.
"Ainda não se sabe se Baartman foi forçada, como os defensores da abolição e os ativistas humanitários alegavam, ou se atuou por livre arbítrio", diz o historiador Christer Petley, da Universidade de Southampton, na Inglaterra.
"Se eles a estavam obrigando a trabalhar, é possível que tenha se sentido intimidada demais para dizer a verdade no tribunal. Nunca saberemos."
"O caso é complexo e a relação entre Baartman e seus chefes definitivamente não era igualitária."

A caminho de Paris

Holmes destaca que o show de Baartman incluía dança e interpretação de vários instrumentos musicais, e diz que um público "sofisticado" em Londres – uma cidade em que as minorias étnicas não eram raras – não teriam se encantado por muito tempo com ela apenas pela sua cor.
De qualquer forma, com o tempo, o show da "Vênus" foi perdendo seu caráter de novidade e popularidade entre o público da capital, e por isso ela saiu em turnê pela Grã-Bretanha e Irlanda.
Em 1814, foi para Paris com seu empresário, Cesars, e outra vez virou uma celebridade, que tomava coquetéis no Café de Paris e ia às festas da alta sociedade.
Cesars voltou para a África do Sul e Baartman caiu nas mãos de um "exibidor de animais" cujo nome artístico era Reaux.
Getty
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Baartman conquistou fama novamente em Paris
Ela bebia e fumava sem parar e, segundo Holmes, "provavelmente foi prostituída por ele".

'Grotesco'

Eventualmente, Baartman aceitou ser estudada e retratada por um grupo de cientistas e artistas, mas se recusou a aparecer completamente nua na frente deles.
Ela argumentava que isso estava além de sua dignidade: nunca havia feito isso em seus espetáculos.
Foi neste período que teve início o estudo que chegou a ser chamado de "ciência da raça", diz Holmes.
Baartman morreu aos 26 anos de idade.
A causa foi descrita como "uma doença inflamatória e eruptiva". Desde então, cogita-se que tenha sido resultado de uma pneumonia, sífilis ou alcoolismo.
O naturalista Georges Cuvier, que dançou com Baartman em um das festas de Reaux, fez um modelo de gesso de seu corpo antes de dissecá-lo.
AP
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Autoridades francesas e sul-africanas com o molde de gesso de Baartman antes da devolução
Além disso, preservou seu esqueleto, pôs seu cérebro e seus órgãos genitais em frascos, que permaneceram expostos no Museu do Homem de Paris até 1974, algo que Holmes descreve como "grotesco".

De volta para casa

"A dominação dos africanos foi explicada com ajuda da ciência, estabelecendo que os khoisan eram um grupo menos nobre no progresso da humanidade", escreveu Natasha Gordon-Chipembere, editora de Representação e feminilidade negra: o legado de Sarah Baartman.
Após sua eleição em 1994 como presidente da África do Sul, Nelson Mandela solicitou a repatriação dos restos mortais de Baartman e o modelo de gesso feito por Cuvier.
O governo francês acabou aceitando o pedido e fez a devolução, em 2002.
Em agosto do mesmo ano, seus restos mortais foram enterrado em Hankey, província onde Baartman nasceu, 192 anos após ela sair com destino à Europa.
Vários livros já foram publicados sobre a maneira como ela foi tratada e sua transcendência cultural.
"Ela acabou se tornando um molde sobre o qual se desenvolvem múltiplas narrativas de exploração e sofrimento da mulher negra", escreveu Gordon-Chipembere, que acha que, em meio à tudo isso, Baartman, "a mulher, permanece invisível".
AP
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Restos mortais foram enterrados em província em que ela nasceu
Em 2010, o filme Black Venus e o documentário The Life and Times of Sara Baartman contaram a história dela. Em 2014, a revista americana Paper botou na capa uma foto da celebridade americana Kim Kardashian balançando um copo de champanhe sobre suas nádegas avantajadas. Vários críticos reclamaram que a imagem lembrava desenhos retratando Baartman.
No ano passado, uma placa no local em que ela está enterrada em Hankey foi vandalizada com tinta branca. Isso ocorreu na mesma semana em que a Universidade da Cidade do Cabo retirou, após protestos, a estátua de Cecil Rhodes, um empresário e político do século 19, que declarou notoriamente que os britânicos seriam "a primeira raça no mundo".
"As pessoas estão resolvendo sobre como querem lidar com essas questões", diz Petley. "Muitas vezes elas foram ocultadas, e chegou a hora de reavaliá-las."

Mulheres Pretas

    Conversar com a atriz Ruth de Souza era como viver a ancestralidade. Sinto o mesmo com Zezé Motta. Sua fala, imortalizada no filme “Xica...