segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Quando a censura cortou as luzes de um filme em Gramado

Páginas da "Folha da Tarde" (SP) e da "Folha da Manhã" (RS) sobre a sessão em Gramadoacervo pessoal
Páginas da "Folha da Tarde" (SP) e da "Folha da Manhã" (RS) sobre a sessão em Gramado

Quase 40 anos depois da primeira exibição do filme "25 - A Revolução de Moçambique" na Mostra de Cinema de São Paulo inaugural, em 1977, vêm-me à cabeça cenas da famosa sessão de estreia do filme no Brasil. Era plena ditadura, eu e Zé Celso Martinez Corrêa, os diretores do filme, estávamos exilados havia vários anos terminando o filme e não podíamos retornar. A nossa cópia 16 mm foi enviada clandestinamente da França para participar da Mostra a convite de seu diretor, Leon Cakoff.

A inesquecível e histórica projeção no Masp transcorreu sem o certificado de censura, mas com várias intervenções da plateia, que tomava totalmente os assentos e escadas. Durante a sessão, no escuro do cinema, houve amostras de tudo o que era proibido então: palavras de ordem contra a "dura", furores revolucionários –ritmados pelo receio de uma invasão ou de repressão oficial na sala do Masp.

Era a primeira vez na ditadura que se via e se ouvia uma revolução em língua portuguesa. A mensagem era clara: descolonização, libertação! Portugal, África, Brasil.

"25" foi a luz no fim do túnel. Como uma chave mágica, encetou a era da abertura política.

Sua chegada fez soprar um "vento" vindo das terras africanas, um respiro no sufoco dos anos de chumbo. Prenunciou a saída de cena dos militares, a volta dos exilados, o fim da censura e a democratização. No Rio, houve sessões também no MAM, com direito a várias intervenções da plateia.

O voto do público quase consagrou o filme como o melhor da primeira Mostra de São Paulo. O júri elegeu, praticamente empatado com "25", "Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia", de Hector Babenco.

A recepção calorosa ao filme na Mostra forneceu a deixa para eu retornar da Europa e mostrar o trabalho Brasil afora.

No início de 1979, a convite do Festival de Gramado, o filme (ainda não liberado pela censura) foi mostrado numa sessão supertumultuada. O público e praticamente todos os cineastas brasileiros então presentes já estavam acomodados na sala quando apareceu um sujeito sombrio na cabine de projeção. O censor estava decidido a impedir a exibição.

Rapidamente desci da cabine e expliquei à plateia o que estava acontecendo. Indignado, o público decidiu pela exibição, mesmo sem autorização. O censor foi cercado pelos cineastas e, diante da confusão armada no saguão do festival, fugiu. A projeção teve então início.

Decorridos 20 minutos, a censura, com apoio de funcionários do hotel, fez nova investida. Conseguiu armar um blecaute no quadro elétrico geral, interrompendo a sessão. Seguiram-se brigas, tapas e bate-boca entre favoráveis e contrários ao prosseguimento. A direção do festival, temerosa de uma interdição, mas pressionada pelo público, decidiu restabelecer a energia, e a apresentação chegou a bom termo.

Na prática, tivemos que forçar a "abertura" em todas as cidades em que mostramos "25" e "O Parto", numa viagem que duraria dois anos e usaria toda e qualquer tela disponível, fosse em praças, ruas, teatros, auditórios, igrejas, ambulatórios ou até mesmo em boates.

Esse cinema mambembe e sempre improvisado partiu do Rio Grande do Sul, passou pelo Sudeste, espichou-se até o Nordeste e adentrou a Amazônia, percorrendo ao todo mais de 40 municípios que muitas vezes recebiam projeções de filmes pela primeira vez.

As peripécias da viagem estão reunidas no livro "Cinema Ambulante", que eu e Béatrice de Chavagnac publicamos pela editora Global em 1982.

Nota: "25" será exibido em SP, no Caixa Belas Artes, na mostra "África(s). Cinema e Revolução", que ocorre de 10 a 23/11.

CELSO LUCCAS, 64, diretor, fotógrafo e montador, conclui "O Condor e o Dragão", documentário sobre felicidade codirigido por Brasilia Mascarenhas e filmado no Butão e na Bolívia.
Fonte: Folhauol

No Dia da MPB, saiba mais sobre Chiquinha Gonzaga, pioneira da música nacional

Chiquinha Gonzaga – Acervo Edinha Diniz

Desde 2012, o Dia Nacional da Música Popular Brasileira tem dia fixo no calendário: 17 de outubro.

A data foi criada pela ex-presidente Dilma e foi escolhida por ser o aniversário de nascimento da primeira compositora popular brasileira: Chiquinha Gonzaga.
Chiquinha Gonzaga, a mulher ousada que sacudiu o Rio de Janeiro na segunda metade do século 19 com sua música, atendia pelo nome de Francisca Edwiges Neves Gonzaga. Nasceu em nasceu 1847 e é dela a música "Ó Abre Alas", que se tornou um hino do carnaval brasileiro. Era filha do rico militar José Basileu Neves Gonzaga e de Rosa Maria de Lima Gonzaga.

Suas músicas misturavam ritmos como o tango, o choro e a marcha e transitavam entre o erudito e o popular.

Sua passagem pela música nacional é também um marco na história das mulheres do país. Feminista, Chiquinha desafiou e transgrediu muitos costumes machistas na época em que viveu, e, ainda mais, é atualmente tida como uma das maiores compositoras e instrumentistas da música brasileira. Sua obra tem mais de 2000 composições.

Casou-se aos 13 anos com o oficial de marinha mercante Jacinto Ribeiro do Amaral, o qual nunca aceitou que sua esposa fosse a rodas boêmias, fato que tornou o casamento, imposto pelo pai de Chiquinha, rápido e cheio de brigas.
Aos 18 anos, Chiquinha deixou o marido e saiu de casa. Desfeito o casamento, ela se apaixonou por um engenheiro de estradas de ferro e os dois passaram a viver juntos, enquanto ele construía a estrada de ferro da Serra da Mantiqueira. 

Quando a construção acabou e eles voltaram ao Rio de Janeiro, o confronto com uma sociedade que os conhecia e os condenava fez a relação durar pouco tempo.
Sozinha, deu aulas de piano para sustentar os filhos. Conheceu então o flautista Antônio da Silva Calado, que a introduziu nas festas e rodas de chorões. Num desses encontros com os músicos boêmios do Rio, em 1877, ela compôs, de improviso, a polca "Atraente", seu primeiro grande sucesso.

Foi também nesse período que Chiquinha Gonzaga, desejando entrar no teatro, musicou o libreto de Artur Azevedo "Viagem ao Parnaso", o qual foi recusado por vários empresários de teatro por ter sido feito por uma autora, uma mulher. Mas isso não a fez desistir. Escreveu e musicou a peça em um ato "Festa de São João", em 1883.

Chiquinha participava ativamente do movimento pela libertação dos escravos. Vendia de porta em porta suas partituras a fim de angariar fundos para a Confederação Libertadora (organização antiescravista). Com o dinheiro que conseguiu ao vender a partitura de sua música "Caramuru", Chiquinha Gonzaga comprou, em 1888, a alforria do escravo e músico José Flauta, antecipando-se poucos meses à Lei Áurea. Foi também uma participante ativa da campanha pela proclamação da República.

Teve problemas com o governo, afrontou muitas "opiniões" maldosas que a sociedade tinha a seu respeito e foi considerada subversiva.

Tudo isso a custa de sua genialidade e de seu espírito libertário. Foi ela quem pela primeira vez promoveu concertos em teatros onde não era permitido a apresentação de instrumentos como o violão. Chiquinha foi uma das pessoas responsáveis pela nacionalização da música brasileira num tempo em que tudo vinha da Europa

Morreu aos 87 anos, numa quinta-feira véspera de Carnaval, em meio aos preparativos para o desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro.
Fonte: Folhauol

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

'Ifigênia' é obra emblemática do feminismo latino-americano

foto de Teresa de la Parra em 1920.( Foto: Biblioteca Nacional, Caracas-Venezuela) ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
Foto: Biblioteca Nacional
 escritora Teresa de la Parra em 1920, quatro anos antes da publicação de 'Ifigênia'

"Ifigênia", de Teresa de la Parra –autora francesa, filha de venezuelanos– é um livro híbrido, composto de diferentes gêneros textuais, como a carta, o diário, o relato e a narrativa ficcional.

Publicado pela primeira vez em 1924, em Paris, recebeu o subtítulo "diário de uma jovem que escreveu porque estava entediada", numa nítida referência à condição da protagonista e narradora Maria Eugenia Alonso –venezuelana de família aristocrática, que, tendo vivido em Paris desde a infância, volta a Caracas doze anos depois.

Lá, confinada na grande e triste casa da avó, entre cheiros de jasmim e velas de cera, passa a lidar com uma realidade asfixiante, na qual o modelo de felicidade para as mulheres se resume ao matrimônio e à maternidade.

O romance, marcado pelo olhar irônico, e por vezes corrosivo, da narradora sobre o peso das convenções sociais e familiares do início do século 20, tornou-se não apenas um clássico da moderna literatura franco-venezuelana, como também uma obra emblemática do feminismo latino-americano.

E se, por suas ideias libertárias, causou controvérsias na Venezuela assim que foi publicado, não deixou também de ganhar uma surpreendente popularidade na França.

DIVISÕES

A primeira das quatro partes do livro apresenta-se na forma de uma longa carta escrita por Maria Eugenia a uma amiga, em que conta os detalhes de seu retorno a Caracas, desfia coisas vividas e lembradas, faz críticas incisivas à sociedade preconceituosa do tempo e revê acontecimentos históricos do país.

Já as partes que se seguem integram um diário peculiar que, para além do registro descritivo dos dias, salta para fora da moldura do cotidiano, de modo a extrair da experiência pessoal uma reflexão mais ampla sobre os embates de uma mulher com o seu próprio entorno.

Num jogo entre a primeira pessoa da narradora e os resumos em terceira pessoa que antecedem cada capítulo, o diário não se fecha conclusivamente na última parte, intitulada "Ifigênia"–nome mitológico associado à ideia de sacrifício e cujo significado é "poderosa desde o nascimento"–, mas deixa uma interrogação intrigante sobre os acontecimentos na vida da protagonista Maria Eugenia.

ENGENHOSA

O domínio da linguagem e dos artifícios narrativos é notável no livro, o que evidencia a engenhosidade de Teresa de la Parra, uma escritora que não tem medo de ousar.

Com destreza, ela maneja os limites entre verdade e mentira, realidade e ficção, presente e passado, sempre atenta aos detalhes e modulações do que é relatado ou descrito. Além disso, coloca-se na vanguarda política de seu tempo, ao condenar o que chama de "as nefastas influências" da colonização europeia, denunciar a dizimação dos índios e criticar os ranços do patriarcalismo latino-americano.

Em edição caprichada, "Ifigênia" conta com a tradução não menos primorosa de Tamara Sender, que também assina o posfácio. É um livro que vem preencher, em grande estilo, uma lacuna editorial no Brasil. E que, mesmo dos dias de hoje, permanece instigante e indispensável.

MARIA ESTHER MACIEL, professora de literatura comparada da UFMG, é autora de "Literatura e Animalidade" (Civilização Brasileira) 
Fonte: Folhauol

Queniano Ngugi wa Thiong'o lidera apostas para Nobel de Literatura

Divulgação/DivulgaçãoO escritor queninano Ngugi wa Thiong'o, que vem para a Flip 2015 Foto: Divulgacao ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
O escritor queninano Ngugi wa Thiong'o


É bom treinar esta pronúncia: gú-gue uá ti-uôn-go, com a língua entre os dentes no "ti". Aos 78 anos, o queniano Ngũgĩ wa Thiong'o pode ser o vencedor do Nobel de Literatura de 2016 —ao menos para os apostadores da Ladbrokes, a mais popular casa de apostas do Reino Unido.

Na terça (11), a menos de 48 horas do anúncio oficial da Academia Sueca, que ocorre na quinta (13), o autor do romance "Um Grão de Trigo" estava no topo das apostas, com 4/1 —o que significa que, caso ele ganhe o Nobel, quem apostou 1 libra em seu nome recebe 4 de lucro.

Com uma prosa pautada pelo embate entre a identidade de seu povo e a cultura imposta pela colonização britânica, o queniano é um dos nomes recorrentes nas listas de apostas —assim como o segundo mais bem cotado, o japonês Haruki Murakami, de 67 anos, autor de best-sellers como a trilogia "1Q84" e "Minha Querida Sputnik".

Conhecido pela agilidade na narrativa, Murakami liderava a especulação na Ladbrokes até uma semana atrás. Agora, seu nome paga 5/1.

O terceiro mais bem cotado é o sírio Adonis, um dos maiores nomes da poesia contemporânea. Seus escritos buscam um diálogo entre a tradição da literatura árabe e a modernidade da poética europeia. Apostas em seu nome pagam 6/1.

ROLAM OS DADOS

Apesar do frisson que a especulação causa no período anterior ao anúncio da Academia Sueca, Alex Donohue, porta-voz da Ladbrokes, afirma que, em comparação com outras áreas de aposta, é baixa a popularidade do Nobel.

"Recebemos cem vezes mais apostas só na partida entre Inglaterra e Malta do que no prêmio literário", disse na sexta (7), véspera do jogo entre as duas equipes pelas eliminatórias da Copa do Mundo da Rússia. Entretanto, ele não informa números exatos.

O valor médio das apostas, contudo, é maior no Nobel: 10 libras, contra 7 em futebol.

Brasileiros, porém, não podem fazer uma fezinha: jogos de azar são ilegais no país, e por isso sites como Ladbrokers não aceitam apostas daqui.

Além disso, o histórico de acertos em apostas é desfavorável. Donohue diz que os apostadores acertaram o vencedor quatro vezes em 11 anos —em 2008, com o francês J.M.G. Le Clézio; 2009, com a romena Herta Müller; 2011, com o sueco Tomas Tranströmer; e 2015, com a bielorrussa Svetlana Aleksiévitch.

A bielorrussa, aliás, foi uma surpresa no ano passado. Até poucos dias antes do anúncio, ela não era cogitada na Ladbrokes —e nem em círculos de literatos. 

Parte da obra de Aleksiévitch foi editada no Brasil. "Negociamos poucos dias depois do anúncio", diz Otávio Marques da Costa, publisher da Companhia das Letras.

Desde então, a escritora vendeu no país 11.000 exemplares de "Vozes de Tchernóbil" e outros 9.000 de "A Guerra Não Tem Rosto de Mulher".
RODOLFO VIANA
DE SÃO PAULO
Fonte: Folhauol

Mulheres Pretas

    Conversar com a atriz Ruth de Souza era como viver a ancestralidade. Sinto o mesmo com Zezé Motta. Sua fala, imortalizada no filme “Xica...