quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Alencastro: Brasil é país de colonização africana, mais que europeia


Historiador recorda que entraram no país quatro vezes mais africanos que portugueses, com participação da elite brasileira, responsável por massacrar indígenas e homenagear encarregados de genocídio

Para o professor Luiz Felipe de Alencastro, da Sorbonne e da Fundação Getúlio Vargas (FGV) , "o Brasil não é um país de colonização europeia, mas africana e europeia. E isso faz toda a diferença." Ele foi o palestrante que abriu o ciclo "Conversas sobre África", organizado pelo Instituto Lula e realizado na sede do Sindicato dos Bancários de São Paulo, no centro da capital.

"Entraram no Brasil quatro milhões e oitocentos mil africanos escravizados, oito vezes mais do que os portugueses que chegaram aqui até 1850", disse Alencastro para explicar que esse contingente de pessoas transforma os africanos em colonizadores do país. "É isso que vai dar no Brasil de hoje, o país com mais afrodescendentes fora da África e cuja maioria da população se declara afrodescendente."

Alencastro, historiador e estudioso das relações entre Brasil e África, explica que a escravidão foi muito prejudicial para os africanos, e seus reflexos no continente são fortes até hoje. “A escravidão desorganizou as sociedades africanas de várias maneiras. É uma página dolorosa em alguns países, principalmente onde há clivagem entre muçulmanos e não muçulmanos por causa desse envolvimento que houve também de uma parte dos muçulmanos no tráfico. Na África esse assunto é difícil de ser tratado."

Já no Brasil, a presença dos africanos contribuiu para a cultura local, e a relação com o continente hoje é outra. “O Brasil ajuda muito a África, também os países africanos, principalmente os de língua portuguesa, se houver uma versão mais desapaixonada desses eventos trágicos da história dos dois continentes.”

Bilateral
O professor também desmontou o mito do chamado tráfico triangular, segundo o qual os africanos eram uma mercadoria que fazia parte de uma troca de produtos entre Europa, África e as Américas. Segundo o historiador, 95% dos navios negreiros que chegaram no Brasil com africanos tinham bandeira brasileira, e não europeia.

Calcula-se que em 15.850 viagens negreiras saíram da África 5,5 milhões de seres humanos e 4,8 milhões chegaram ao Brasil. Para sustentar uma rede dessa dimensão, havia uma logística impressionante, que reunia grandes empresas, banqueiros e o governo.

Segundo Alencastro, nenhuma outra nação fez incursões tão interiores na África como os portugueses em Angola. Nessas batalhas de captura de escravos, participaram muitos soldados nascidos no Brasil e acostumados aos trópicos, muitos deles caboclos e mestiços. “O Rio de Janeiro é o maior porto negreiro das Américas e, Luanda, o maior porto negreiro da África. Duas cidades de língua portuguesa. Isso não é acaso. O Rio era a capital econômica, política e cultural do Brasil na época. Naturalmente, ele se tornou o maior porto, inclusive porque estava conectado a Minas Gerais. No século 18, ele era fornecedor de Minas também. Quando falo sobre o Rio de Janeiro, é porque ele era o terminal mais dinâmico da produção interna."

Bandeirantes
Os índios também fazem parte dessa história, de acordo com o professor. Quando deixaram de ser interessantes para o trabalho forçado passaram a ser massacrados pelos fazendeiros instalados na região Nordeste do Brasil, porque atrapalhavam a expansão da pecuária.

Diferentemente do que aconteceu em outros países da América, as comunidades indígenas não viraram comunidades camponesas. Em parte porque a produção dos latifúndios escravagistas fazia concorrência e embarcava qualquer produção que desse lucro. Os indígenas, então, atrapalhavam. “Raposo Tavares e essa gente é tratada como genocida. Na Bolívia, bandeirante é sinônimo de bandido, aqui é nome de estrada”, diz.
Também presente ao encontro, Clara Ant, diretora da Iniciativa África do Instituto Lula, afirmou que o governo Lula mudou a prioridade da política externa brasileira e trabalhou para ampliar as relações entre o Brasil e os países africanos. Foram 33 viagens presidenciais ao continente, com a criação de 19 novas embaixadas.
Fonte: Correio nago

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