quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Poesia africana - Filinto Elisio



FILINTO ELíSIO


Filinto Elísio Correia e Silva é poeta e cronista, nasceu na cidade da Praia, em Cabo Verde. É bibliotecário e administrador de empresas. Foi professor em Somerville, nos Estados Unidos. Foi assessor do Ministro da Cultura de Cabo Verde. Atualmente é Consultor Internacional e Administrador do Seminário “ A Nação”, em Cabo Verde. Publicou as seguintes obras: “Do lado de Cá da Rosa” (Poesia)  “Prato do Dia” (crônica) “O inferno do Riso” (Poesia), “ Cabo Verde 30 anos de Cultura” (Antologia), “Das Hespérides” (Poesia, Prosa e Fotografia) e “Das Frutos Serenadas” (poesia). Tem ainda a publicar “Sem Margens” (Crônica) e “ Praiademincidade” (Romance).
(...) Um poder ilimitado para criar imagens ao extremo os sentidos das palavras, apresentando novas e surpreendentes significações em poemas que transportam o leitor a desvendar um sujeito lírico profundamente existencialista, proposto a metaforizar tudo aquilo que alimenta seu lirismo
(...) Em Elísio, o excesso metafórico e o ardor semântico não são gratuitos, mas sim, frutos de uma cuidadosa e zelosa paixão pelo fazer poético. Intimista, lírica exuberante e universal, assim é a poesia para  e de Filinto Elísio. Um poeta que a reinventa, que mostra que a poesia ainda é a mais bela das artes (...) Ricardo Riso (Especialista em Literaturas Africanas. – Rio de Janeiro)

 ad vinhos

andei por califórnias ródanos douros
sonhei ânforas do antanho
deusas etílicas taças de âmbar
poetei absintos versejei labirintos
naveguei pessoas & nerudas
tive orgasmos a imaginar borges
acordei diante de brancos secos
amei com os tintos maduros
encorpados lambruscos
alentejos chãs
ad eternum
ou aqui
agora...

HAIKAI AGRIDOCE (POESIA III)


Ao Mito

a flor de lotus, o mel de abelha, a borboleta exótica...
ainda que cuidemos do nosso jardim de sonhos
no vinagre dos dias haverá sol para o cravo do amanhecer?


ACERCA DO AMOR

Do amor só digo isto:

o sol adormece ao crepúsculo
no oferecido colo do poente
e nada é tão belo e íntimo,

0 resto é business dos amantes.
Dizê-lo seria fragmentar a lua inteira.

De
 Filinto Elísio
LI  CORES  &  AD  VINHOS
Lisboa:  Letras Várias, 2009
ISBN  978-9899-59741-9



         Ruínas

         Remotas barcaças, pedaços de vime.
         Carcaças de tartarugas, rugas de vidro,
         Pegadas de ti ou de ninguém, pedras.
         E velas que hasteiam tantos náufragos...

         A solidão que principia o fulgor do mar,
         Em tempo de estio e de chuva, o clamor
         Das ondas no rendilhar das espumas
         E as ruínas dos álamos e dos ventos...

         Tudo isso és tu, sândalo de mim, atear
         Teu fofo no cismado, no qual crepitam
         Ânfora e querubim, incensos antigos...

         Ardores e quero sim, grandes amores,
         Astros nublados, armaduras e pecados,
         Gretas e terrores, pescados dourados...


         Viagem

         Em torno da odisséia das ilhas, creio levar
         Neste puro desejo que me transcende, a senha
         E a palavra-chave de os labirintos serem aqui
         Simples lugares de passagem, apenas paisagem...

         O andarilho palmilha todas as dunas, areias
         De intermináveis desertos e todas as ondas
         Que os oceanos concedem, quando furibundas
         ou, mesmo, serenadas e das praias acariciadas...

         Sem culpa, nem sina – ou de job puro devedor -,
         Percorro de lés a lés o mapa que é de ti e do mundo
         Como quem responde à morte o saldo estival...

         Como quem salta para a eterna idade da vida
         E fica suspenso entre a estrela e sua cadência
         A riscar, de viajar tão-somente, o céu da noite...



Pluma na Lua

         Para Nancy Morijón e Omar Camilo


         Tendes vós, com mesuras retesadas, a noite
         Com que o judeu, de Shakespeare, dita ali
         Sua injustiça, profana ou santa, em Veneza
         E encanados fostes do Verbo, e em primo frutos...

         Fostes, das tremeluzentes estrelas, a cadente
         E a rápida trajectória do risco e do cisco, ao micro
         Olhar de um campónio aos vastos campos
         E a mão incerta que à linha o peixe aguarda...

         Poetas, como pescadores na lua, e em pluma
         flutuam no jusante das plavras e a medra,
         ora pedra, ora Fedra, à sombra de sua metáfora...

         Em primo ou sopro derradeiro, Esopo ou átomo,
         Ilhas irradiadas no espaço anil e vão do mar,
         Sois aqui, dados frutos, meus implacáveis...      



Cidade 2  

         vejamos metáforas vejamos pregões
         vejamos néons vejamos acrílicos
         pedras blocos cirílicos catedrais
         sirenes dos semáforos o minarete
         se és muçulmano dos vitrais
         se és surfista ou sefardita
         mais pedras mais blocos
         mais gruas mais turistas
         mais terroristas mais poetas
         vejamos os graffitis
         vamos comê-los
         vamos comer denises
         comamos metáforas
         pregões...



Decifrar a pedra

         Nem sempre me é fácil decifrar
         Toda a fruta que, em teus lábios,
         Sabe tão-só a beijos e carícias
         Quão amiúde o poemas por dizer...

         Nem sempre posso, do teu olhar,
         Mirar o voo que nele se deseja
         - Entre magenta, azul e violeta -,
         E dele acalentam as cores furtivas...

         Pôr as mãos sem tocar ao rente
         Que são pêlos de ti e do infinito
         E sem roçar, seja de leve, a lua ...

         Sorver os sais, o suco das flores,
         Os vinhos de nada, os halos de pão
         E é pedra o que, de segredo, madruga...
 Fonte: 
http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_africana/cabo_verde/filinto_elisio.html

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