quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Tudo o que Mario Vargas Llosa sabe sobre 'Madame Bovary'

Talvez o maior problema de Emma Bovary, assim como o de Dom Quixote –personagem no qual ela foi textualmente inspirada– tenha sido ler demais. Foi o excesso de leitura que a teria "aliciado" para uma vida de fantasia e adultério, razão pela qual Gustave Flaubert foi processado em sua época e pela qual também pronunciou a frase famosa: "Madame Bovary c'est moi!".

Pode-se dizer a mesma coisa sobre Mario Vargas Llosa, só que na ordem trocada: nesse caso é o leitor que, de tanto ler "Madame Bovary", parece conhecê-la e a sua história mais do que a si mesmo.

"A Orgia Perpétua" é, antes de tudo, uma demonstração assombrosa do domínio de Llosa sobre o romance mais importante de Flaubert, seus bastidores, a intimidade de sua construção e a enorme correspondência que ele alimentou. O livro, dividido em três partes e escrito em 1974, relata, em primeiro lugar, uma relação subjetiva do autor com a personagem de Emma e com Flaubert; uma interpretação mais objetiva da construção narrativa e, por último, uma descrição histórica do contexto em que o romacista francês escreveu.

Anne-Christine Poujoulat/AFP
Literatura: o escritor peruano Mario Vargas Llosa, durante entrevista coletiva após o festival literário La Fete du Livre, em Aix-en-Provence (França). *** Peruvian writer and Nobel Prize 2010 in Literature, Mario Vargas Llosa poses on October 17, 2014 in Aix-en-Provence, southern France after a press conference during the literary festival La Fete du Livre. AFP PHOTO / ANNE-CHRISTINE POUJOULAT
O escritor peruano Mario Vargas Llosa em outubro de 2014

A primeira parte, em que Llosa se entrega aberta e integralmente ao "autor que ele gostaria de ser", é também uma profissão de fé bastante polêmica: "Um romance é mais sedutor para mim na medida em que nele aparecem, combinados com perícia numa história compacta, a rebeldia, a violência, o melodrama e o sexo."
Em seguida, o capítulo mostra como, em "Madame Bovary", cada um desses tópicos é explorado à perfeição, de tal modo que todos se entrecruzem, formando o que seria um dos romances mais bem acabados da literatura.

À parte discordâncias sobre o pensamento estético de Llosa, é inegável a intensidade da análise e o grau de conhecimento que ele tem sobre "Madame Bovary", romance que representa muito mais do que a si mesmo. Sem dúvida, trata-se de uma revolução –tanto para o discurso romântico, como para o realista e até para o modernismo que viria. É notável como Llosa mergulha nos detalhes da trama, mostrando a gênese de uma sensualidade fundada na insinuação sutil; a capacidade de fazer os objetos cênicos "falarem"; o surgimento do que viria a ser o feminismo; a força das dualidades sociais, espaciais e morais que predominam no romance.

A Orgia Perpétua
Mario Vargas Llosa
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Ao mesmo tempo, a leitura da correspondência que Flaubert manteve com sua amante, Louise, e com amigos e parentes, permite que Llosa estabeleça a história da longa construção do romance, que é também a história da criação do romance moderno, essa história de um personagem perplexo diante de um mundo em que não consegue viver.

A ORGIA PERPÉTUA
AUTOR Mario Vargas Llosa
TRADUTOR José Rubens Siqueira
EDITORA Alfaguara
QUANTO R$ 49,90 (280 págs.)


NOEMI JAFFE
Fonte: Folhauol

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