Jovem diz que ocupa novos espaços 'sem esquecer das tradições' |
O indígena Luiz Henrique Eloy Amado, de 25 anos, foi destaque
em matéria de capa da rede internacional de notícias BBC.
A matéria enfatiza a dedicação exclusiva do jovem advogado
à demarcação e à integração de terras indígenas. O texto evidencia
a força do índio terena, que se formou em Direito, fez mestrado
na UCDB e se prepara para fazer doutorado em Antropologia,
e fala de resistência que as lideranças dentro e fora de suas
comunidades enfrentam.
Confira aqui os principais trechos do depoimento à BBC.
"Deixei a aldeia Ipegui, de Aquidauana (MS), para cursar o
ensino superior já pensando em devolver algo à minha
comunidade. Fiz parte das primeiras levas de indígenas
que tiveram acesso à universidade entre 2005 e 2006.
Ali eu convivia com vários indígenas, e vi que o problema
deixou de ser o acesso à universidade, passou a ser a
- os índios têm dificuldades financeiras, (se comunicam em sua)
língua materna, ficam longe da comunidade, sofrem preconceito.
Nos cinco anos do curso de Direito, em nenhum momento,
os direitos dos povos indígenas foram abordados.
Então fizemos um grupo de estudo sobre o tema, com acadêmicos
e índios.
Depois de me formar, comecei a atuar exclusivamente na área
de questões coletivas e na demarcação de terras, porque
as comunidades indígenas têm uma carência muito grande
(de advogados).
Faço oficinas nas comunidades sobre os direitos do povo indígena
atuo em processos de demarcação de terra e reintegração de
posse. Na esfera criminal, defendo lideranças criminalizadas
pela luta pela terra. Não atuo em casos de crime comum,
de índios que respondem processos por seu ativismo.
Um dos casos de maior destaque foi o do 'leilão da
', em dezembro, quando fazendeiros organizaram um leilão
para arrecadar fundos para contratar empresas privadas para
a segurança das fazendas.
Só que na maior parte dos casos de lideranças indígenas
mortas, tem sempre uma empresa de segurança ou um pistoleiro
envolvido.
Entramos com recurso e a Justiça Federal suspendeu o leilão;
os fazendeiros recorreram e fizeram o leilão, mas conseguimos
bloquear o dinheiro (cerca de R$ 1 milhão). O processo está correndo.
(Nota: À época, os fazendeiros afirmaram que a contratação
de seguranças serviria para garantir sua integridade
física e de suas propriedades. O caso ainda está sendo
discutido pela Justiça)
O interessante é que foi a primeira vez que a própria
comunidade indígena (entrou com a ação) para defender
seus direitos, não a Funai ou o Ministério Público Federal (MPF).
Também conseguimos o fechamento de uma empresa de segurança
privada envolvida na morte de um indígena. Nesse caso, sou
assistente de acusação da família.
Nunca sofri ameaça direta (pela atuação como advogado),
mas vários amigos dizem ter ouvido rumores e me alertam
para que eu tome cuidado. Já fui perseguido por caminhonetes
e tive que me esconder no mato. Hoje tomo vários cuidados
e restrinjo minha rotina.
A causa mais urgente para os índios hoje é, com certeza,
a questão territorial. Um terço das terras indígenas do Brasil
ainda não foi demarcado, e as que foram estão ameaçadas,
seja pelas atividades mineradora e madeireira ou pelas hidrelétricas.
O Brasil adotou um modelo de desenvolvimento que não
contempla os povos indígenas, vistos como empecilho.
Passam por cima dos nossos direitos, e o Brasil é cobrado
lá fora por isso.
Nas minhas andanças pelo Estado, escuto muito das lideranças
(indígenas) e dos fazendeiros uma revolta pela omissão do
governo federal na questão. A percepção é de que o governo
está de braços cruzados assistindo aos conflitos.
As comunidades fazem retomadas (de terras) por
conta própria, e o fazendeiro se vê no direito de se armar.
Esse era o fundamento do leilão da resistência:
'o governo não está fazendo nossa segurança'.
Isso tem crescido, a violência está crescendo.
E nessa disputa os povos indígenas são as maiores vítimas.
Vejo que as lideranças jovens sofrem muita resistência
aqui. Uma vez, fazendeiros questionaram na Assembleia
Legislativa do Estado (de Mato Grosso do Sul) se eu tinha
(registro na) OAB para advogar em nome da causa
terena, por eu ser jovem. Já cheguei a entrar em
cartórios do fórum para pedir processos e me dizerem:
'Estagiário não pode pegar o processo'. Daí tenho
que provar que sou advogado.
Já vi até lideranças indígenas tradicionais fazerem
críticas à juventude. Pessoas que estão há 20 ou 30 anos
lutando veem o jovem falando e resistem. Falo não
por mim, mas num contexto geral. Mas temos
quebrado essa resistência quando começamos
a dialogar, mostrando que não estamos substituindo
ou concorrendo (com os mais velhos) - estamos a
serviço da comunidade.
Há jovens trabalhando pelas comunidades indígenas
em várias áreas: estudantes brigando no Ministério
da Educação pela permanência dos índios no ensino
superior, jornalistas dando visibilidade aos problemas
e práticas culturais, antropólogos fazendo registros orais
e contribuindo em laudos judiciais, algo que é
fundamental em muitas causas.
Ainda quero, nos próximos anos, prestar concurso
para o MPF (Ministério Público Federal), na
defesa das populações tradicionais (indígenas e quilombolas).
Acho perfeitamente possível conciliar (as tradições indígenas)
com a vida acadêmica. A pessoa tem que saber que está
ocupando novos espaços, mas sem esquecer de suas raízes.
Vivo em Campo Grande, mas com um pé na minha aldeia."
Fonte: midiamax
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