quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Crítico não percebeu que filme abre mão de heróis e vilões

Inácio Araujo, na crítica "Thriller político peca em fraco retrato da realidade brasileira", estampa a fraca capacidade de "O Fim e os Meios" de dar conta da realidade brasileira. Por que será que ele identificou "a realidade brasileira" como tema? Como um filme pode dar conta de tamanha pretensão? 

Para mim, como cineasta, cabe ao cinema olhar o que não é visto. "O Fim e os Meios" nasce de um incômodo político com o país. O nosso desafio é perceber como se apresentam algumas de nossas endemias e formações. Para tal, elegemos estratégias.

A corrupção em nosso país virou epidérmica. Não interessa mais discutir suas razões; ela está impregnada na história, nos costumes, no dia a dia. Queremos perceber como ela age sobre nós.

Divulgação
Créditos: Divulgação Legenda: Cena do filme "O FIM E OS MEIOS" ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
Os atores Marco Ricca e Cintia Rosa em cena do longa-metragem 'O Fim 
e os Meios', dirigido por Murilo Salles

Focamos num casal que, para resolver conflitos da relação, muda-se de cidade e objetivos de vida. Destacamos os meios, pois a democracia, a ética e a felicidade são construídas no dia a dia, em relações, no trabalho, em casa, com quem amamos. É nos meios onde acontecem nossas opções e decisões de vida. Não há um final salvador fora dessa construção política diária. Não existe um herói da pátria que possa nos livrar das mazelas. Quem constrói a história do Brasil somos nós, brasileiros.

Portanto, nossa decisão foi não trabalhar com heróis ou vilões, nem com grandes eventos políticos. O crítico não percebeu! Sua análise é esquemática e reducionista; aponta o publicitário como representante da mentira e a jornalista, da verdade. Nem a mais antiga dramaturgia trabalha com tamanho esquematismo. Aliás, banalizamos ao máximo os expedientes da corrupção e, assim, tiramos o foco das superestruturas.

O filme quer perceber que as endemias se dão na epiderme da vida. Como o ser humano vai se tornando aquilo que não quer ser. Nosso trabalho, em vez de submeter o público a uma análise racional e esquemática da corrupção, é fazê-lo experimentar com os personagens –tais como nós, bem intencionados e agindo por razões ditadas pelo coração– esse incômodo que se apossou do Brasil.

Com isso, acreditamos promover uma imersão sensorial que faça emergir os fantasmas do imaginário, herança da casa grande e da senzala, e suas acomodações cordiais. Talvez, assim, possamos perceber que o poder reina sobre aquilo que consegue interiorizar.
MURILO SALLES é cineasta. Dirigiu "O Fim e os Meios" e "Nome Próprio", entre outros. 

Fonte:folhauol

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