quinta-feira, 14 de novembro de 2013

'Gostaria que o Brasil tivesse me visto aos 40 anos', diz Bobby Womack

Ele é uma lenda do soul, um sobrevivente do cruzamento entre drogas e showbiz e uma testemunha de parte da história da música pop.
Começou a cantar, ainda menino, no circuito gospel norte-americano. Tocou guitarra em gravações de Elvis Presley, Aretha Franklin, Marvin Gaye, Jimi Hendrix e Janis Joplin --de quem se despediu poucas horas antes de a cantora ter sido encontrada morta, por uma overdose de heroína, em 1970.
É o autor do primeiro hit dos Rolling Stones, um cover de "It's All Over Now".

Bobby Womack, 69, se apresenta no Rio e em São Paulo
Bobby Womack, 69, se apresenta no Rio e em São Paulo
Foi resgatado do esquecimento por Damon Albarn, vocalista do Blur, que o chamou para gravar com o projeto Gorillaz, em 2010.
Na sequência, fez o álbum "The Bravest Man in the Universe", coproduzido por Albarn e considerado um dos melhores discos de 2012.
Agora, aos 69 anos, Bobby Womack vem pela primeira vez ao Brasil e se apresenta no Rio de Janeiro e em São Paulo dentro da programação do festival Back2Black (leia abaixo).
o melhor disco
"The Bravest Man in the Universe" traz a célebre voz de Womack sobre bases eletrônicas sofisticadas.
Com 27 discos lançados, ele não vacila: "Este último foi, sem dúvida, o melhor que eu já fiz".
Nos shows no Brasil, além das músicas do disco devem surgir clássicos de seu repertório dos anos 1970 e 1980 como "Across 110th Street", música tema do filme "Jackie Brown", de Quentin Tarantino, e "Lookin' for a Love".
Womack diz que, para ser um cantor de soul, é preciso "compreender a alma humana em seus altos e baixos. As tragédias da minha vida me fizeram um cantor melhor."
Ele perdeu dois filhos --um morreu asfixiado aos quatro meses, outro cometeu suicídio aos 21 anos--, quase foi morto por uma ex-mulher, que descobrira seu caso com a enteada, e se afundou na cocaína ao longo de 30 anos.
"Não sei como nem por que sobrevivi. Olho para trás e vejo quanta gente com quem trabalhei não chegou aqui", diz. "Sinto que represento todos eles. Quando subo no palco, acredite ou não, vejo Marvin Gaye, Hendrix e Joplin."
TEMPO PERDIDO
Depois de duas décadas de ostracismo, Womack ressurgiu na cena musical nos braços de Albarn. "Quando ele me ligou, eu já queria voltar, mas não sabia como. Eu parecia uma pintura abstrata."
"Ele me disse: 'Oi, Bobby, meu nome é Damon Albarn e sou de um grupo chamado Gorillaz'. Achei que fosse brincadeira e respondi: 'Da última vez em que fiz um show, o grupo do momento se chamava The Monkees!'".
Quem convenceu Womack de que não era trote foi sua filha, então com 20 anos. "Ela ficou maluca. Disse que eu tinha que ir a essa gravação."
Depois desse resgate e do novo álbum, o cantor foi hospitalizado várias vezes, operado de câncer no cólon e diagnosticado com Alzheimer precoce.
Em busca do tempo perdido, já prepara novo disco, intitulado "The Best Is Yet to Come", também produzido por Albarn, com participações de Rod Stewart, Stevie Wonder, Snoop Dogg e Rihanna.
Leia, a seguir, entrevista concedida por Womack, por telefone, à Folha.
*
Folha - O que os brasileiros podem esperar do seu primeiro show no país?
Bobby Womack - Este é provavelmente o melhor presente que eu ganhei neste ano. Demorou tanto... Eu já estive em tantos lugares e, de repente, eu estou indo para o Brasil. Eu vou usar a energia que me resta para subir no palco e passar minha mensagem para as pessoas. Tudo o que me importa hoje em dia são as pessoas. Eu não subestimo meu público porque, se a plateia de um show não sente sua emoção, não interessa quem você é, as pessoas vão achar que teria sido melhor ter ficado em casa ouvindo um de seus discos. Eu me lembro que James Brown uma vez me disse: "Bobby, queria que você tivesse me visto com 40 anos". Ele já estava com 70. Hoje eu estou com quase 70 e gostaria que o Brasil tivesse me visto aos 40.
Você é um cantor de soul há 60 anos. O que é preciso para ser um cantor de soul?
Você precisa, primeiro, cantar a verdade. Cantar algo com o que se identifique, que fale intimamente a você. Se você ouve Mick Jagger ou Marvin Gaye, que são duas vozes diferentes e duas formas distintas de passar uma mensagem. Mas é necessário sentir o que se canta, e enviar a mensagem do seu coração para o público.
Como os episódios trágicos da sua vida influenciaram a sua carreira, para o bem ou para o mal?
Tragédias como as que vivi também formam um cantor de soul. Porque você precisa compreender a alma humana em seus altos e baixos. E esses baixos fazem parte do eu sou e de como me tornei este Bobby Womack. Quando eu comecei a cantar, ainda menino, era uma música límpida, gospel. Depois eu comecei a andar com uns caras mais barra pesada, comecei a fumar maconha, depois a usar cocaína... E precisava usar drogas e ficar louco para fazer meu trabalho. Foi assim durante 30 anos.
Como isso mudou?
Um dia eu acordei e disse para mim mesmo: preciso parar com isso, preciso mudar de clima, de atmosfera. Me sentia como alguém que havia jogado seu talento no lixo. E, para me recuperar, achei que tinha de começar tudo de novo. E decidi que não precisava mais ficar loucão para fazer minha música. Olhava em volta e lembrava de tantos artistas com quem trabalhei que eram extremamente talentosos e que não haviam chegado onde eu havia chegado. Haviam ficado pelo caminho, morrido de forma banal por terem se envolvido com drogas. Posso fazer uma lista enorme: Elvis Presley, Janis Joplin, Jimi Hendrix... E nenhum deles está aqui hoje. E sinto que hoje eu represento todos esses artistas porque, não sei por qual motivo, eles morreram e eu sobrevivi. Estou limpo há 20 anos.
Como você se relaciona com essas pessoas com quem tocou: Presley, Aretha Franklin, Gaye, Joplin, Hendrix...
Toda vez que eu subo no palco, acredite ou não, eu vejo Marvin Gaye e Aretha Franklin, Janis Joplin e Jimmi Hendrix... Eram artistas únicos. Cada um deles tinha um estilo diferente e muito próprio.
Você esteve com Marvin Gaye dois dias antes de ele ser assassinado...
Ele me ligou e, no meio de uma conversa, perguntou: "Bobby, o que eu preciso fazer para aparecer na capa da Rolling Stone?" Eu respondi, brincando: "Somos negros, meu irmão, só aparecemos em capa de jornal ou revista se formos mortos!" E nós rimos disso. Dois dias depois soube que ele havia sido morto pelo próprio pai. Sabe... quando eu subo no palco, é como se eu abrisse um dicionário ou um enciclopédia: cada música que eu canto me transporta para a situação em que a escrevi. E isso me traz as pessoas e as sensações ligadas àquele período. Isso é muito estranho. Eu fico perturbado emocionalmente porque eu visualizo essa ou aquela pessoa e histórias como a morte de meus filhos [Truth Womack morreu em 1978, aos quatro meses, asfixiado; Vincent se matou em 1986 aos 21 anos]...
Você diz que Damon Albarn salvou a sua vida. Por que?
Quando Damon Albarn me ligou, eu já queria voltar à ativa, mas não sabia como. Eu não tinha uma figura. Parecia uma pintura abstrata. Como ele conseguiu meu número? Nunca vou saber. Como ele conheceu minha música? Nunca vou saber também. Mas o telefone tocou e ele me disse: "Oi Bobby, meu nome é Damon Albarn e eu sou de um grupo chamado Gorillaz". Eu achei que ele estava de brincadeira porque, da última vez em que eu me apresentei e lancei discos, o grupo do momento se chamava The Monkees! (risos, tsk, tsk, tsk) Ele falou que não era piada, que a banda existia, vendia muitos discos e tal. E me convidou para participar de uma gravação. Minha filha ficou maluca. Ela tinha uns 20 anos e disse: "Pai, você tem que ir! Vai ser uma forma de você voltar aos palcos". E eu decidi ir.
Como surgiu a ideia de fazer o álbum "The Bravest Man in the Universe"?
Estávamos em estúdio gravando com o Gorillaz e eles me perguntaram se eu tinha alguma música escrita. Eu comecei a cantar: "The bravest man in the universe... Is the one who has forgiven fist" (canta ao telefone). Fiz essa música porque você precisa ser o homem mais corajoso do universo para estar no showbiz. Cantar e escrever músicas é a parte mais fácil. O difícil é que, depois que a música é lançada, todo mundo produziu, gravou, te ajudou... E, então, você tem que perdoar essas pessoas todas para seguir em frente. Por isso é que é tão importante você amar o que faz. Aí, não interessa as sacanagens que a indústria faça com o artista, ele ainda será capaz de subir no palco e fazer um belo show. Este álbum foi a melhor coisa que eu já fiz na vida. Estou extremamente feliz com ele. O que eu quero é levar essa felicidade para o público brasileiro.
Folhauol

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