quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Entrevista/Luta contra desigualdades raciais

Marcelo_paixao
Marcelo Paixão

Coordenador do Laboratório de Análises Econômicas, 
Históricas, Sociais e Estatísticas das Relações Raciais 
(Laeser) da UFRJ, o professor Marcelo Paixão explica 
a importância de Nelson Mandela, ex-presidente da
 África do Sul.
Após dois meses internado em decorrência de uma
 infecção pulmonar, “Madiba”, como é carinhosamente
 chamado, comove o mundo com sua luta pela vida, aos 
95 anos. Mandela foi o mais poderoso símbolo 
de resistência contra o regime segregacionista do
 “Apartheid”, oficializado em 1948 naquele país.
Durante sua militância no partido CNA 
(Congresso Nacional Africano), mostrou-se um ferrenho 
opositor das injustiças cometidas pelos governos contra a 
maioria negra, o que o levou a ficar 27 anos encarcerado. 
Libertado em 1990, recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 
1993 e tornou-se o primeiro presidente negro da África
 do Sul no ano seguinte.

Relendo a história de Nelson Mandela, realmente não há 
como deixar de se lhe atribuir o reconhecimento de 
heroísmo, e isto malgrado a famosa frase de (Berthold)
 Brecht (1898-1956): “Infeliz do povo que precisa de heróis”.
Quando chegou ao poder, em 1994, o Congresso Nacional
 Africano (CNA) abriu mão de grande parte do conteúdo 
de seu programa anterior. Foi um cálculo político
 possivelmente baseado no contexto no qual a transição
 ocorreu (fim da Guerra Fria e o risco do isolamento
 internacional, caso uma opção mais 
radical viesse a ocorrer), como, talvez, igualmente, visando 
gerar um quadro de consenso mínimo para que aquele 
país pudesse evitar uma Guerra Civil. Porém, diversos
 problemas legados pelo período do Apartheid 
se mantiveram desde então: a concentração da terra,
 da água e dos recursos econômicos, a pobreza e os 
dramas sociais da maioria da população negra sul-africana,
 especialmente os elevados índices de violência
 (e da violência contra as mulheres) e a AIDS.

A vida de Mandela deve ser razão de orgulho aos vitimados 
pela intolerância, dos mais diferentes modos (racial, 
étnico, de gênero, nacionalidade, religiosa, opção sexual) em
 todo o mundo. Como tal, creio ser razoável dizer que seu
 nome pertence a todos os seres humanos de bem. 
É um patrimônio comum da humanidade a vida, obra e
 ideias, dos que lutaram e lutam pela liberdade.

Como poderia ser definida a atual conjuntura dos 
debates raciais no Brasil?

De um lado, é nítido que ocorreram avanços, tendo em 
vista que este assunto, ainda há cerca de 15 anos, 
era um completo tabu, cercado de verdades nunca ditas ou
 reveladas. Hoje debate-se mais abertamente 
o tema dos efeitos do racismo, tal qual praticado no Brasil,
 sobre o desenho de nossa estrutura social. 
Isto permitiu a geração das primeiras políticas na 
história republicana brasileira visando mitigar um cenário
 de crônicas desvantagens dos afrodescendentes, e de
 forma mais distante, dos povos indígenas, especialmente 
no que tange ao acesso à universidade e algumas 
medidas que incidiram sobre os materiais
 didáticos e currículos nas escolas do ensino básico.
Porém, mesmo estes avanços foram pequenos diante do 
enorme passivo a ser superado. As desigualdades 
de rendimentos de cor ou raça no Brasil ainda seguem 
grandes (cerca de 75% a mais para os que se
 declaram brancos e amarelos), isso além de outros tantos
 problemas que colhem os negros como maiores 
prejudicados, tais como a baixa qualidade das escolas,
 a progressiva degradação do SUS e a violência policial, hoje
 sintetizada na pergunta que vem movendo milhares de 
pessoas pelo Brasil e pelo mundo: “Onde se encontra o 
Amarildo?”,pedreiro pobre e negro que era residente na Rocinha.
Portanto, posso reconhecer que alguns avanços ocorreram,
 mas estes são sempre ameaçados de serem revertidos,
 seja por conta de alguma eventual futura crise econômica
 ou política, seja pela presença de concepções conservadoras
 que ainda seguem fortes no interior de nossa sociedade.
Fonte: Adufrj


Darlan de Azevedo. Estagiário e Redação

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