terça-feira, 31 de maio de 2016

Eleito por Obama o melhor de 2015, livro 'Destinos e Fúrias' chega ao Brasil

Em 2008, embalada pelas promessas eleitorais do candidato democrata Barack Obama, Lauren Groff, 37, foi de porta em porta na vizinhança onde mora, em Gainesville, no Estado americano da Flórida, pregar sua palavra. Sete anos depois, ela entrou em parafuso quando o agora presidente dos Estados Unidos elegeu seu terceiro romance como o melhor de 2015 na revista "People".

"Descobri pelo Twitter. Não soube como reagir, chorei, contei para o meu marido, saímos e compramos champanhe", conta a autora à Folha.

Em "Destinos e Fúrias", ela narra a vida de Lancelot e Mathilde. Grandiloquente, a começar pelo nome, Lotto, como é apelidado, é alto, bonito, solar, com a altivez dos bem-nascidos. Ela, também bela, é sisuda, magnética e algo escabrosa.

Divulgação
A escritora norte-americana Lauren Groff em foto de 2010
A escritora norte-americana Lauren Groff em foto de 2010

O livro é dividido em duas partes. A primeira, sob as lentes de Lotto, é uma ode à união extraordinária entre o jovem dramaturgo e sua mulher benevolente. A segunda, sob olhar de Mathilde, um rasgar violento das costuras do suposto idílio conjugal.

"Casar foi a melhor decisão que já tomei, mas sou ambivalente quanto à instituição em si, enraizada na misoginia e no papel social subserviente atribuído à mulher", afirma Lauren. "A versão simplista de um casamento é muito falsa e prejudicial. É mais fácil tomar o cônjuge como certo, não se perguntar quem ele é, no que se transformou. Caso alguém faça isso, planta-se uma crise."

DESTINOS

Como as moiras da mitologia grega, Lauren é a tecelã inflexível do destino de seus personagens, ditando glórias e infortúnios ao elaborar, entrelaçar e interromper o fio de suas vidas. "É cruel, mas os deuses são cruéis", brinca.

Ela se inspira na escrita da britânica Virginia Woolf em "Ao Farol", com lampejos agourentos do futuro dos personagens, separados da ação por colchetes.
Prenúncios à parte, uma mesma corrente sanguínea corre pelos dois polos da obra: a herança shakesperiana. Lotto casa arquétipos do bardo e velhos signos da mitologia grega para construir sua carreira como dramaturgo, enquanto Mathilde parece confortável em seu papel de Lady Macbeth, orquestrando as escolhas do marido.

A autora é mais comedida em sua adoração. "Não sou tão fã dele quanto Lotto é, mas Shakespeare aborda uma psicologia profunda dos personagens, algo que até hoje é muito difícil de fazer. Quando encontro essa dificuldade, regresso a ele em busca de aspectos mais ricos da experiência humana."

Ao dar voz a Mathilde na metade final do romance, Lauren flerta com a literatura "pulp", revelando uma anti-heroína lúgubre, com passado tortuoso e fúria escondida por trás de sorrisos educados e bons modos.

Lotto é alheio aos esqueletos no armário da mulher, que vê na ignorância dele uma bênção. Mathilde só se indispõe quando o marido, incapaz de reconhecer o papel dela em alavancar seu sucesso no teatro, defende a superioridade criativa masculina –um episódio tirado da vida da autora.

"Certa vez, eu sentei para conversar com um escritor muito famoso, a quem não posso nomear, que certamente se vê como feminista. Havia uísque envolvido, e ele dissertou sobre como os homens são criadores intelectuais, e as mulheres, criadoras físicas, por darem à luz. Fiquei tão embasbacada que não consegui refutá-lo na hora, fui para casa, deitei na cama e olhei para o teto por horas, pensando em argumentos para demoli-lo", relembra Lauren.

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Poucas são as vezes em que Mathilde deixa transparecer sua frustração com o marido. Quando o conflito se instala, não ameaça a fidelidade e a devoção do casal. "É uma ironia trágica, mas a maioria dos livros sobre casamento são, na verdade, sobre infidelidade, e eu cansei disso", argumenta.
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Leia trecho do livro:
Duas pessoas vinham pela praia. Ela era loura e estilosa em um biquíni verde, embora fosse maio no Maine, e frio. Ele era alto, vívido; cintilava nele uma luz que captava o olhar e o prendia. Eles se chamavam Lotto e Mathilde.

Por um minuto observaram uma poça formada pela água do mar, repleta de criaturas espinhosas, que levantou espirais de areia ao desaparecer. Então ele segurou com as mãos o rosto dela e beijou seus lábios pálidos. Seria capaz de morrer de felicidade naquele momento. Em um devaneio, viu o mar subindo para tragá-los, descarnando-os com a língua e fazendo os ossos deles rolarem pelos molares de corais que habitam as profundezas. Se ela estivesse ao seu lado, pensou, ele flutuaria à deriva, cantarolando.

Bem, ele era jovem, vinte e dois anos, e eles haviam se casado em segredo naquela manhã. A extravagância, sob tais circunstâncias, era perdoável.
Os dedos dela descendo pelas costas dele lhe queimavam a pele. Ela o empurrou para trás, conduzindo-o para cima de uma duna coberta de vegetação, depois para baixo novamente, onde a parede de areia bloqueava o vento, onde se sentiam mais aquecidos.
MARIA CLARA MOREIRA
Fonte: Folhauol

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