sábado, 3 de maio de 2014

Somos todos Pelés

03/05/2014 02h00
Amigo pró-Copa, amigo do "não vai ter Copa", só mesmo parodiando o rei Pelé: o brasileiro não sabe opinar em pesquisa. Ayrton Senna é o maior ídolo esportivo do país.

Como assim? Conta outra. Óbvio que o piloto é um dos grandes e caiu no gosto popular. Nenhum reparo nessa história. Daí bater o maior atleta de todos os tempos é o que não consigo entender.

Repito a planilha do Datafolha para que o leitor não ache que se trata de um mero chute do meu gonzo e delirante instituto Databotequim: 47% dos paulistanos preferem Senna; Pelé fica com míseros e vergonhosos 23%. O dia em que o rei foi rebaixado a plebeu.

Você há de questionar, amigo, que o levantamento foi feito apenas em São Paulo. Sim, e daí? Há cidade que represente mais, pelo mundo todo que abriga, o Brasil?

A leitora, sempre mais astuta, há de me cutucar com uma prova material aparentemente incontestável: a crônica de Nelson Rodrigues publicada no dia 19 de novembro de 1969 no jornal "O Globo".

No texto, sobre o milésimo gol de Pelé, naquele Santos 2 x 1 Vasco da Gama, tio Nelson provoca, só para variar: "É aqui e, repito, é no Estádio Mário Filho que Pelé teve os seus grandes dias e as suas grandes noites. O próprio crioulo sabe que é muito mais amado aqui do que em São Paulo".

Uma frase do autor de "A pátria em chuteiras" vale mais, em matéria documental de prova, do que batom na cueca.

Prossigo, no entanto, com a minha queixa. Como amamos odiar nosso maior ídolo. Como o Brasil é perverso. É o país do amor post-mortem. Só batendo as botas, o sujeito se consagra aqui no Bananão - para lembrar o batismo dado pelo garoto da fuzarca Ivan Lessa.

Sim, Pelé pode estar pagando o pato pelo cidadão Edson Arantes. Mesmo assim. Não merece apenas lustrar o carro do Senna.

Pelé é o próprio motor, a velocidade, a luz, quase a reinvenção da física no jogo. Por que ser castigado por um ou outro palpite infeliz? É o cara a quem se pergunta de tudo desde que vendia amendoim na estação de trem de Bauru. Vai chover, Pelé, para melhorar o índice da Cantareira?

E Pelé disse love, love, love, como na canção de Caetano. Acusam o rei de não se pronunciar contra o racismo. Além dele já ter falado sim do tema, vos pergunto: tem maior campanha contra o racismo do que existir Pelé no mundo?

Pelé é praticamente o inventor dessa coisa de ser brasileiro. Pelé é nível Michelangelo, Homero ou Dante, para voltar no catecismo do tio Nelson. E quem disse que temos orgulho disso. Não.

Enxotamos Pelé como quem dá um "pedala Robinho" no boy da firma. Isso não é certo. Os inimigos do rei estão sempre a postos para tirar uma casquinha.

O brasileiro, em relação ao nosso maior ídolo, não passa de um Antônio Calçada, cartola do Vasco, anos 1950, que deu uma banana para a contratação do gênio-mor.

"Quem é Pelé? Você está brincando comigo."

Ao negar Pelé, o Brasil perde até um pouco a ideia de Nação. Vá explicar para um estrangeiro!

@xicosa
Fonte: Folhauol

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