terça-feira, 1 de abril de 2014

Ruanda busca investidores para se transformar em polo tecnológico

KIGALI, Ruanda - No 12° andar do Kigali City Tower, moderno edifício de escritórios aqui na capital de Ruanda, um novo projeto para transformar uma pequena economia rural em um centro financeiro e de alta tecnologia está tentando se colocar de pé.

Uma Bolsa de mercadorias, com uma dezena de terminais e um software de última geração fornecido pela Nasdaq, realizou seus seis primeiros leilões ao longo do ano passado -um empreendimento nascente e arriscado, mas do tipo que ajuda a explicar como uma nação sem nenhum grande recurso natural conseguiu crescer de forma tão rápida nos últimos anos.
"O sentimento era de que poderia servir à região e talvez ser um trampolim para o restante da África", disse Paul Kukubo, o executivo-chefe da Bolsa do Leste da África, focada em mercadorias. Michael Lalor, do EY Africa Business Center, em Johannesburgo, disse: "Não posso imaginar como eles poderiam ter obtido um progresso melhor do que conseguiram nos últimos 20 anos".

Esse ponto de partida, 20 anos atrás, é a hora-zero para Ruanda, país que já foi consumido pela violência. Diante do Ministério das Finanças há um memorial dedicado ao genocídio de 1994, que serve de lembrança para a urgência por trás dos esforços econômicos do governo. A prevenção da instabilidade tem sido a principal justificativa para o controle do presidente Paul Kagame sobre o poder, e a elevação dos padrões de vida ajuda a evitar a volta da tensão.

Pete Muller/The New York Times
Bolsa de Valores de Ruanda, em Kigali; país busca investidores para impulsionar crescimento
Bolsa de Valores de Ruanda, em Kigali; país busca investidores para impulsionar crescimento

Ambições e problemas duradouros, como a discrepante distribuição de renda, são parte da história de crescimento econômico da África, que atrai o olhar de governos e corporações estrangeiros para o continente, visto como uma rica fronteira para os negócios. O Fundo Monetário Internacional prevê que a média de crescimento da África Subsaariana deva chegar a 6,1% neste ano, frente a 3,7% da média mundial.

Críticos argumentam que esses números provêm principalmente da venda das reservas de petróleo e gás ou de metais e minerais valiosos e que os lucros têm sido divididos entre os conglomerados estrangeiros e as contas "offshore" dos plutocratas do continente.
Ruanda oferece um modelo alternativo, dizem analistas. Sua economia cresceu em média quase 8% ao longo dos últimos quatro anos, graças a uma produtividade cada vez maior, ao turismo e aos gastos governamentais com infraestrutura e habitação. Apesar de ter uma população de apenas cerca de 12 milhões, Ruanda foi recentemente apontada pela consultoria A.T. Kearney como o mais atraente mercado africano para o varejo, no seu primeiro Índice de Desenvolvimento do Varejo para a África.

Ruanda depende fortemente de ajuda estrangeira, que foi reduzida depois que um relatório das Nações Unidas acusou o país de fomentar uma recente rebelião na vizinha República Democrática do Congo. Mais do que nunca, Ruanda está à caça de investidores em vez de doadores. Em abril do ano passado, vendeu US$ 400 milhões em títulos para investidores de todo o mundo, parte de um ano recorde para os papéis africanos.

A desaceleração na China, a redução da compra de títulos por parte do Fed (banco central dos EUA) e a fuga de capital dos mercados emergentes puseram em perigo os ganhos no continente. Mas alguns analistas dizem que Ruanda aguentou melhor do que muitos outros e tem avançado no padrão de vida.

Entre 2001 e 2011, a nação reduziu de 59% para 45% a parcela da população que vive na pobreza, e o contingente que está na pobreza extrema vem diminuindo ainda mais rapidamente.

Ainda assim, ao lado do Kigali City Tower, os telhados enferrujados das construções em ruínas são testemunhas do desafio envolvido no objetivo de Ruanda: se tornar um país de renda média. A estimativa é que 90% da população ainda trabalhe nos terraços construídos em morros verdejantes, cultivando banana, sorgo, batata e outros produtos, numa agricultura majoritariamente de subsistência.

Ruanda espera se tornar um centro de tecnologia da informação para os 135 milhões de habitantes da Comunidade do Leste Africano, um mercado comum regional. O país se equipou com cabos de fibra óptica e, no ano passado, o governo assinou um acordo para construir uma rede 4G que cobriria 95% do seu território.

Mas Ruanda enfrenta dura concorrência. O Quênia tem um próspero ambiente para start-ups e possui representações do Google, da Intel e da Microsoft, além de um mercado consumidor muito maior. Mas as ruas tranquilas e a ausência de crimes violentos tornam Kigali muito mais atraente em comparação com as vias perigosas e engarrafadas de Nairóbi.

Em Ruanda, os índices de expectativa de vida, alfabetização, matrícula escolar e gastos com saúde melhoraram nos últimos anos. O governo demoliu milhares de casebres com telhados de sapé. Ofereceu vasectomia gratuita e está promovendo uma campanha de circuncisão para reduzir o número de infecções por HIV.

Grupos de defesa dos direitos humanos continuam a atacar o governo ruandês por suas medidas de repressão política. Ao mesmo tempo, organizações pró-desenvolvimento elogiam as reformas econômicas ruandesas, tendo o Banco Mundial dado ao país notas altas pela facilidade para se fazer negócios e posicionado o país em 32° lugar entre 189 do mundo todo.

"Começar é bem fácil", disse Clarisse Iribagiza, cofundadora de uma empresa de tecnologia chamada HeHe. Ela disse que a abertura da empresa levou apenas um dia e custou menos de US$ 40.

Elettra Pauletto, analista da consultoria Control Risks, de Londres, afirmou que, embora Ruanda possa atrair investimentos ao impor rigidamente um ambiente de eficiência e estabilidade, esse pode ser um lugar difícil para negócios que entrem em conflito com o governo. "É um ambiente político muito autoritário", disse ela. "Pode ser que a inviolabilidade dos contratos não seja respeitada."

Como a Bolsa de mercadorias, a Bolsa de Valores de Ruanda, que abriu suas portas em 2011, ainda está se firmando. Pierre Célestin Rwabukumba, 39, executivo-chefe da Bolsa de Valores e ex-corretor de ações em Nova York, voltou para Ruanda em 2004. "Nós começamos do nada nove anos atrás", disse ele sobre a Bolsa, sentado em seu escritório no Kigali City Tower.

Somente duas empresas nacionais fizeram uma oferta pública inicial. Mas ele disse que o índice ruandês de ações subiu 44% em 2013, um sinal, do seu ponto de vista, de que a Bolsa, como o próprio país, vai na direção certa.

Alguns andares acima, Ara Nashera, 27, diretor de criação da Zilencio Creativo, estava trabalhando em uma plataforma de financiamento coletivo chamada eNkunga, que procura aproveitar o dinheiro trocado via celulares. A tecnologia pode ser nova para Ruanda, mas não o conceito.

"Contribuições coletivas são a maneira como as pessoas mandam um filho para a universidade e custeiam um casamento", disse Nashera. "É o jeito antigo transformado em novo".

Fonte: Folhauol

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