A mais recente surpresa do papa Francisco vem do Haiti e se chama Chibly Langlois. Bispo da pequena cidade de Les Cayes, a 190 km a oeste de Porto Príncipe, ele acaba de se tornar o primeiro cardeal da história vindo do país mais pobre das Américas.
"É um gesto do Santo Padre não só para os católicos do Haiti, mas para todo o país", disse Langlois àFolha, por telefone. "E é um sinal de que a Igreja está dando mais atenção à nossa situação."
Aos 55 anos, Langlois foi quem mais chamou a atenção entre os 19 primeiros cardeais anunciados pelo papa Francisco, no último domingo (12). O grupo inclui o arcebispo do Rio, dom Orani Tempesta, esta uma indicação já esperada.
O bispo haitiano ressaltou que o dia escolhido por Francisco para o anúncio coincidiu com o quarto aniversário do terremoto que matou centenas de milhares de haitianos. "O Santo Padre nos deu uma alegria ao país no dia em que recordávamos o nosso momento mais triste", disse Langlois, que nunca se encontrou com Francisco.
O bispo de Les Cayes, Haiti, Chibly Langlois, ordenado cardeal por Francisco |
"Penso que o papa Francisco quis sinalizar com isso que ele tem uma atenção especial por esse país e por aquele povo sofrido e pobre, que passou, há quatro anos, pela tragédia do terremoto devastador que conhecemos. Além disso, a inclusão de um bispo haitiano no Colégio Cardinalício também indica que os países pequenos e pobres são importantes para a igreja. O papa Francisco olhou para as 'periferias'... Foi uma decisão significativa."
Sem detalhar, Langlois disse também que a sua escolha pode ter sido motivada pela "relação entre o Haiti e a República Dominicana". Trata-se de uma alusão à recente polêmica surgida pela decisão do Tribunal Constitucional.
Em outubro, a corte suprema do país vizinho julgou que os cerca de 200 mil filhos de imigrantes haitianos ilegais nascidos no país não têm direito à cidadania. O anúncio provocou divergências entre os líderes da Igreja Católica nos dois países.
A medida foi duramente criticada pela ONU e países da região por jogar dezenas de milhares de pessoas num limbo jurídico, mas ganhou respaldo irrestrito do cardeal dominicano, Nicolás de Jesús López, tido como um porta-voz da ala mais conservadora da Igreja Católica.
López disse que o Tribunal Constitucional "atuou de acordo com a lei" e denunciou uma "campanha internacional" contra a República Dominicana.
A reação veio no anúncio de Natal da Conferência Episcopal do Haiti, presidida por Langlois. Sem mencionar o país vizinho, o texto diz que, como Jesus Cristo, "muitas famílias haitianas continuam (...) cruzando a fronteira, sofrendo humilhação, rechaço, exclusão e negação de seus direitos fundamentais."
"Em suas viagens ao estrangeiro e em busca de uma vida melhor, encontram o abuso, a degradação, a xenofobia e inclusive a morte", diz a mensagem da conferência presidida por Langlois.
Langlois e López devem conviver por pouco tempo no Colégio Cardinalício: o dominicano está a três anos de chegar aos 80 anos, quando se tornará emérito. Perderá então o direito de participar do conclave (eleição do papa), a missão mais importante de um cardeal.
Com isso, a República Dominicana em breve ficará sem um representante na cúpula do Vaticano após décadas de participação contínua.
Ainda que menos surpreendentes, o papa Francisco fez outras escolhas consideradas inovadoras: o moderado Gualtiero Bassetti, arcebispo de Perugia, cidade italiana que não tinha um cardeal desde o século 19; o filipino Orlando B. Quevedo, arcebispo de Cotabato, cidade menos importante do que a preterida Cebu; e dois africanos: Jean-Pierre Kutwa (Costa do Marfim) e Philippe Nakellentuba Ouédraogo (Burkina Faso).
Todos 19 recém-nomeados serão formalmente recebidos pelo Colégio Cardinalício em 22 de fevereiro, no Vaticano. Desses, três já ultrapassaram os 80 anos e não poderão participar de conclaves.
Com as nomeações, a Igreja Católica volta a contar com 120 cardeais aptos a escolher papas ou a substituir Francisco. Chamados de "príncipes da igreja", costumam vir de grandes arcebispados do mundo, como São Paulo e Rio de Janeiro, ou serem da alta hierarquia do Vaticano.
Fonte: Folhauol
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