segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Poesia africana - Agostinho Neto



AGOSTINHO NETO
(1922-1979)

Antonio Agostinho Neto nasceu em Icola e Bengo, Angola. Estudou medicina em Portugal. Foi um dos dirigentes do movimento de independência de seu país e, triunfante, foi o primeiro presidente da nova república. Biografia política controversa e uma obra literária reconhecida internacionalmente.




 O CHORO DE ÁFRICA

O choro durante séculos
nos seus olhos traidores pela servidão dos homens
no desejo alimentado entre ambições de lufadas românticas
nos batuques choro de África
nos sorrisos choro de África
nos sarcasmos no trabalho choro de África

Sempre o choro mesmo na vossa alegria imortal
meu irmão Nguxi e amigo Mussunda
no círculo das violências
mesmo na magia poderosa da terra
e da vida jorrante das fontes e de toda a parte e de todas as almas
e das hemorragias dos ritmos das feridas de África

e mesmo na morte do sangue ao contato com o chão
mesmo no florir aromatizado da floresta
mesmo na folha
no fruto
na agilidade da zebra
na secura do deserto
na harmonia das correntes ou no sossego dos lagos
mesmo na beleza do trabalho construtivo dos homens

o choro de séculos
inventado na servidão
em historias de dramas negros almas brancas preguiças
e espíritos infantis de África
as mentiras choros verdadeiros nas suas bocas

o choro de séculos
onde a verdade violentada se estiola no circulo de ferro
da desonesta forca
sacrificadora dos corpos cadaverizados
inimiga da vida

fechada em estreitos cérebros de maquinas de contar
na violência
na violência
na violência

O choro de África e' um sintoma

Nos temos em nossas mãos outras vidas e alegrias
desmentidas nos lamentos falsos de suas bocas - por nós!
E amor
e os olhos secos.



Adeus à hora da largada

Minha Mãe
         (todas as mães negras
         cujos filhos partiram)
tu me ensinaste a esperar
como esperaste nas horas difíceis

Mas a vida
matou em mim essa mística esperança

Eu já não espero
sou aquele por quem se espera

Sou eu minha Mãe
a esperança somos nós
os teus filhos
partidos para uma fé que alimenta a vida

Hoje
somos as crianças nuas das sanzalas do mato
os garotos sem escola a jogar a bola de trapos
nos areais ao meio-dia
somos nós mesmos
os contratados a queimar vidas nos cafezais
os homens negros ignorantes
que devem respeitar o homem branco
e temer o rico
somos os teus filhos
dos bairros de pretos
além aonde não chega a luz elétrica
os homens bêbedos a cair
abandonados ao ritmo dum batuque de morte
teus filhos
com fome
com sede
com vergonha de te chamarmos Mãe
com medo de atravessar as ruas
com medo dos homens
nós mesmos

Amanhã
entoaremos hinos à liberdade
quando comemorarmos
a data da abolição desta escravatura

Nós vamos em busca de luz
os teus filhos Mãe
         (todas as mães negras
         cujos filhos partiram)
Vão em busca de vida.

                   (Sagrada esperança)


CRIAR

Criar criar
criar no espírito criar no músculo criar no nervo
criar no homem criar na massa
criar
criar com os olhos secos

Criar criar
sobre a profanação da floresta
sobre a fortaleza impudica do chicote
criar sobre o perfume dos troncos serrados
criar
criar com os olhos secos

Criar criar
gargalhadas sobre o escárnio da palmatória
coragem nas pontas das botas do roceiro
força no esfrangalhado das portas violentadas
firmeza no vermelho-sangue da insegurança
criar
criar com os olhos secos

Criar criar
estrelas sobre o camartelo guerreiro
paz sobre o choro das crianças
paz sobre o suor sobre a lágrima do contrato
paz sobre o ódio
criar
criar paz com os olhos secos.
Criar criar
criar liberdade nas estradas escravas
algemas de amor nos caminhos paganizados do amor

sons festivos sobre o balanceio dos corpos em forcas
                                                          [simuladas

criar
criar amor com os olhos secos.


ASPIRAÇÃO

Ainda o meu canto dolente
e a minha tristeza
no Congo, na Geórgia, no Amazonas

Ainda o meu sonho de batuque em noites de luar

Ainda os meus braços
ainda os meus olhos
ainda os meus gritos

Ainda o dorso vergastado
o coração abandonado
a alma entregue à fé
ainda a dúvida

E sobre os meus cantos
os meus sonhos
os meus olhos
os meus gritos
sobre o meu mundo isolado
o tempo parado
Ainda o meu espírito
ainda o quissange
a marimba
a viola
o saxofone
ainda os meus ritmos de ritual orgíaco

Ainda a minha vida
oferecida à Vida
ainda o meu desejo

Ainda o meu sonho
o meu grito
o meu braço
a sustentar o meu Querer

E nas sanzalas
nas casas
nos subúrbios das cidades
para lá das linhas
nos recantos escuros das casas ricas
onde os negros murmuram: ainda

O meu Desejo
transformado em força
inspirando as consciências desesperadas.

*

Sou um mistério.

Vivo as mil mortes
que todos os dias
morro
fatalmente.

Por todo o mundo
o meu corpo retalhado
foi espalhado aos pedaços
em explosões de ódio
e ambição
e cobiça de glória.

Perto e longe
continuam massacrando-me a carne
sempre viva e crente
no raiar dum dia
que há séculos espero.

Um dia
que não seja angústia
nem morte
nem já esperança.

Dia
dum eu-realidade.





TEXTOS EN ESPAÑOL


EL LLANTO DE ÁFRICA

El llanto durante siglos
en sus traidores por la esclavitud de los hombres
en el deseo alimentado entre ambiciones de soplos románticos
en los tambores llanto de África
en las sonrisas llanto de África
en los sarcasmos en el trabajo llanto de África.

Siempre el mismo llanto en nuestra alegría inmortal
mi hermano Nguxi y mi amigo Mussunda
en el círculo de las violencias
aun la magia poderosa de la tierra
y de la vida fluyente de las fuentes y de todas lpartes y de todas las almas
y de las hemorragias de los ritmos de las heridas de África
hasta en el florecer aromatizado de la selva
hasta en la hoja
en el fruto
en la agilidad de la cebra
en la sequedad del desierto
en la armonía de las corrientes o en el sosiego de los lagos
hasta en la belleza del trabajo creador de los hombres.

El llanto de siglos
inventado en la esclavitud
en histerias de dramas negros almas blancas perseguidas
y espíritus infantiles de África
las mentiras llantos verdaderos en sus bocas.

El llanto de siglos
donde la violada verdad se consume en el círculo de hierro
en la deshonesta fuerza
sacrificadora de los cuerpos cadavéricos
enemiga de la vida
cerrada en los estrechos cerebros de máquinas de contar
en la violencia
en la violencia
en la violencia.

El llanto de África es un síntoma.

¡Nosotros tenemos en nuestras manos otras vidas y alegrías
desmentidas por nosotros en los lamentos falsos de sus bocas!

Y amor.
Y los ojos secos.


Extraído de POETAS AFRICANOS CONTEMPORÁNEOS, org. Fayada Jamis, Virgilio Piñera, Armando Álvarez Bravo, Manuel Cabrera y David Fernándes. (Traductores). Madrid: Biblioteca Jucar, 1975



Despedida en el momento de partir

Madre mía
(oh madres negras cuyos hijos han partido),
me enseñaste a esperar y confiar
como tú lo hiciste en las horas del desastre.

Pero en mí
la vida ha matado esa esperanza misteriosa.

Ya no espero más,
soy yo el esperado.

Nosotros mismos somos la esperanza,
tus hijos,
viajando hacia una fe que nutre la vida.

Nosotros, los hijos desnudos de los matorrales,
criaturas sin instrucción que juegan con pelotas de trapo
en las llanuras del mediodía,
nosotros mismos
conchabados para quemar nuestras vidas en los cafetales,
negros ignorantes.
que deben respetar a los blancos
temer a los ricos,
somos tus hijos del barrio de los nativos
donde nunca llega la electricidad;
hombres que mueren ebrios,
abandonados al ritmo de los tam-tams de la muerte,
tus hijos,
que tienen hambre, que tienen sed,
que se avergüenzan de llamarte madre,
que tienen miedo de cruzar las calles,
que tienen miedo de los hombres.

Somos nosotros mismos,
la esperanza de la vida recobrada.


Extraído de POESIA AFRICANA DE HOY. Selección y versión de William Shand y Rodolfo Benasso.  Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 1968

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Mulheres Pretas

    Conversar com a atriz Ruth de Souza era como viver a ancestralidade. Sinto o mesmo com Zezé Motta. Sua fala, imortalizada no filme “Xica...