CORSINO FORTES
Corsino António Fortes (São Vicente, 1933) é um escritor e político cabo-verdiano.
É licenciado em Direito, pela Universidade de Lisboa (1966). Integrou vários governos na república de Cabo Verde, país de que foi Embaixador em Portugal. Presidiu à Associação dos Escritores de Cabo Verde (2003/06). Autor de obras como Pão e Fonema (1974) ouÁrvore e Tambor (1986), a sua obra expressa uma nova consciência da realidade cabo-verdiana e uma nova leitura da tradição cultural daquele arquipélago.
Pecado OriginalPasso pelos diasE deixo-os negrosMais negrosDo que a noute brumosa.Olho para as coisasE torno-as velhasTão velhasA cair de carunchos.Só charcos imundosAtestam no soloAs pegadas do meu pisarE fica sempre rubro vermelhoTodo o rio por onde me lavo.E não poder fugirNão poder fugir nuncaA este destinoDe dinamitar rochasDentro do peito...
(Claridade, 1960
GirassolGirassolRasga a tua indecisãoE liberta-te.Vem colarO teu destinoAo suspiroDeste hirto jasmimQue foge ao ventoComoPensamento perdido.AderidoAos teus flancosSingram navios.Navios sem maresSem rumosDe velas rotas.Amanheceu!Orça o teu lemeE entra em mimAntes que o SolTe desorienteGirassol!
ProposiçãoAno a anocrânio a crânioRostos contornamo olho da ilhaCom poços de pedraabertosno olho da cabraE membros de terraExplodemNa boca das ruasEstátua de pão s6Estátuas de pão solAno a anocrânio a crânioTambores rompema promessa da terra Com pedrasDevolvendo às bocasAs suas veiasDe muitos remos
De pé nu sobre o pão da manhãDesde a manhã os pésEstão nus ao redor da ilha,Nus de árvore nus de tamborJoelhos de sol E volutas de poeiraNos tornozelosEm movimentoDesde o inícioO tambor dos dedosSob o pão das pedrasO cão das artériaspresona voragemDos calcanhares Que agitamNa terra polvorentao ponteiro dos membrossobre a testa do mundoOs membros o mundo o meridiano de permeioO sarilho dos corvos na falésiaAnuncia-nosÀ boca do povoadoAo vento gordo sabor a fiambre hálitode pão novoÀ beira-mar erguemos as nossas costelasÀ promessa pública do mar EÀ beira-mar navegamosCom mãos menos mãosCom pés menos pésDe proteínas
O povo o poente o pão de permeioEntão Djone! nosso Djonefidje de Bia ou MariaDespe a camisaE vendidaPasseamos tal troncoEntre palmeiras de securaAssimFaluchode orgasmoque caminhaAo som de palmasInstrumentos de cordaviolão & violaHá sempre o banjo o cavaquinhoQue nos interrompemEntre duas freguesiasE dizemunha & bronzeDa nudezE das árvoresQue crescem no céu da bocaE dos riosque nascem na veia cavaE do sanguedo povo sobre o mapaDesde o nascer E desde a nascençaOs pés o poente o meridiano de permeio
Não há fonte que não beba da fronte deste homemINas rugas deste homemCirculamestradas de todos os pés que emigramQuebram-sevivas! as ondas de todas pátriasAnulam-sede perfil! as chinas de todas muralhasNa mão bíblicaNo humor bíblico deste homemcrepitam de joelhosDesertos & catedraisOndedeus & demóniojogamnoite e diaa sua última cartadaE do pó da ilha à mó de pedraNão há relâmpagoQue não morda a nudez deste homemNudez de liberta!Que a dor germinaE o espaço exultaE pela ogivaogiva do olhoNão há poenteQue não sejaUma oração de sapiênciaSobre a face deste homemo povo ergueu a praça públicaE os tambores transportamo rosto deste homemAté à boca das ribeirasE ao redoros vulcões respeitamo silêncio deste homemI INão há chuvaQue não lamba o osso de tal homemÀ porta da ilhaDiz o sal de toda a salivaO sol ondula oceanos no sangue deste homemOh cereal altivo! vertical & proboAinda ontemantes do meio-diaO vento punha velas na viola deste homemHoje!A violaDe tal dor é sumarentaE projectasobre as almasa seivaDe uma árvore imensaOh oceanos! que ladram à boca das tabernasSe o sangue deste homemé tambor no coração da ilhaO coração deste homemé corda no violão do mundoE os joelhosrodas que vão! hélices que sobemcom ilhas no interiorI I ISombras sobre a colina Rosto sobre o povoadoQuandopastor & gado jogam à cabra-cegaE chifres de solprojectamcidadelas no ocidenteO poente galopa a maré-altaE ergue"À taça da noiteSobre as têmporas deste homem"Oh noite verde! oh noite violadaQue a noite não apagueA memória das cicatrizesE cicatrizes de ontemSejamSementes de hojePara sementeira E floresta de amanhã
Como NoéAs espécies conhecemA sílaba E a substância deste homemNão há milhoQue não ame o umbigo deste homemNão há raizQue não rasgue a carne deste homemE na fome pública deste homemCrescea ave no voo E a gema na cascaCresceo cabo d'enxada E a cintura da terraCrescea porta do sol E o alfabeto da pedra verdeNão há fonteQue não beba da fronte de tal homemQueA erecção deste homem é redondaE tem o peso da terra grávida
DE BOCA CONCÊNTRICA NA RODA DO SOL
I
I
Depois da hora zero. E da mensagem povo no tambor da ilha
Todas as coisas ficaram públicas na boca da república
As rochas gritaram árvores no peito das crianças
O sangue perto das raízes. E a seiva não longe do coração.
E
Todas as coisas ficaram públicas na boca da república
As rochas gritaram árvores no peito das crianças
O sangue perto das raízes. E a seiva não longe do coração.
E
Os homens que nasceram da Estrela da manhã
Assim foram
Árvore e tambor pela alvorada
Plantar no lábio da tua porta
África
mais uma espiga mais um livro mais uma roda
Que
Do coração da revolta
A Pátria que nasce
Toda a semente é fraternidade que sangra
*
Assim foram
Árvore e tambor pela alvorada
Plantar no lábio da tua porta
África
mais uma espiga mais um livro mais uma roda
Que
Do coração da revolta
A Pátria que nasce
Toda a semente é fraternidade que sangra
*
A espingarda que atinge o topo da colina
De cavilha & coronha
partida partidas
E dobra a espinha
como enxada entre duas ilhas
E fuma vigilante
o seu cachimbo de paz
Não é um mutilado de guerra
É raiz & esfera no seu tempo & modo
De pouca semente E muita luta
De cavilha & coronha
partida partidas
E dobra a espinha
como enxada entre duas ilhas
E fuma vigilante
o seu cachimbo de paz
Não é um mutilado de guerra
É raiz & esfera no seu tempo & modo
De pouca semente E muita luta
II
Poema! Que o tempo
Não peça milagres
por favor
Que ainda ontem
Os relógios alargavam a boca dos cemitérios
E o silêncio dobrava o sino dos séculos que tombavam
Que ainda ontem
O silêncio era lei E a fome! Parlamento
E o sangue! moeda na boca da colônia
E a colônia era pólvora no gatilho
De trezentos & trezentas mil almas
III
O homem que veio de longe
ossos & nervo nervo & olhos
Com a baleia no sangue E a proa no coração
E planta os pés no umbigo da república
E explode árvores & tambores
De tantas bocas
Não é um mutilado de guerra
É um companheiro de luta
*
Não me peças milagres
por favor
pede-me revolução! Camarada
Não & somente
A revolta da página sob o olho da terra
nocturno nocturna
Mas a revolta do pão
entre o sangue e a seiva
Mas a revolta do rosto
entre a roda e o mundo
Não peça milagres
por favor
Que ainda ontem
Os relógios alargavam a boca dos cemitérios
E o silêncio dobrava o sino dos séculos que tombavam
Que ainda ontem
O silêncio era lei E a fome! Parlamento
E o sangue! moeda na boca da colônia
E a colônia era pólvora no gatilho
De trezentos & trezentas mil almas
III
O homem que veio de longe
ossos & nervo nervo & olhos
Com a baleia no sangue E a proa no coração
E planta os pés no umbigo da república
E explode árvores & tambores
De tantas bocas
Não é um mutilado de guerra
É um companheiro de luta
*
Não me peças milagres
por favor
pede-me revolução! Camarada
Não & somente
A revolta da página sob o olho da terra
nocturno nocturna
Mas a revolta do pão
entre o sangue e a seiva
Mas a revolta do rosto
entre a roda e o mundo
(De Árvore & Tambor, 1986)
Corsino Fortes
A cabeça calva de Deus
Organização/prefácio de Floriano Martins.
Artista Convidado Fernando Gonçalves
São Paulo: Escrituras, 2010. 286 p.
(Col. Ponte Velha) ISBN978-85-7531-390-9
A cabeça calva de Deus
Organização/prefácio de Floriano Martins.
Artista Convidado Fernando Gonçalves
São Paulo: Escrituras, 2010. 286 p.
(Col. Ponte Velha) ISBN978-85-7531-390-9
P.A.I.G.C.
É a potência fálica da terra + a potência famélica do povo
É o povo de coração em marcha sob a bandeira de Pidjiguiti
É a árvore de Boé + a proa do arquipélago que abafroa
É a potência fálica da terra + a potência famélica do povo
É o povo de coração em marcha sob a bandeira de Pidjiguiti
É a árvore de Boé + a proa do arquipélago que abafroa
No umbigo da colónia
A caravela da opressão secular
É o tambor da história + o ovo da concórdia
Que devolve
Á libertaria África
A dupla fatia do seu patrimônio
É o braço do povo + o corpo da terra toda ela
A caravela da opressão secular
É o tambor da história + o ovo da concórdia
Que devolve
Á libertaria África
A dupla fatia do seu patrimônio
É o braço do povo + o corpo da terra toda ela
De peito aberto De pátria aberta
É a Estrela da manhã
No sangue
É a Estrela da manhã
No sangue
Na alvorada
Na árvore
Na árvore
De todos nós
II
Amílcar!
Há hélice & sonho
na raiz da árvore que tomba
Há sangue & ombro
Há sangue & ombro
na pele do tambor que rompe
É da pedra do Sol Que move
O sangue e o rosto da pirâmide
Não há Janeiro
Não há Novembro
O sangue e o rosto da pirâmide
Não há Janeiro
Não há Novembro
Que não seja
Uma península de dor
Uma península de dor
Entre duas bandeiras
Acto de cultura
Como o som cresce na fruta! na árvore
Como o som cresce na fruta! na árvore
Está o tambor
E contra a erosão: a política da sedução
E
"Se o destino do homem é o trabalho contínuo"
E
E contra a erosão: a política da sedução
E
"Se o destino do homem é o trabalho contínuo"
E
Não há foz para o rio da palavra amor
Cultura! toda ela
É a expresso dinâmica De um caos inicial
É a expresso dinâmica De um caos inicial
FORTES, Corsino. Pão & fonema. 2ª. ed. Lisboa: Livraria Sá da Costa Editora, 1980. 102 p. Capa: José Cândido. Estudo analítico de Mesquitela Lima. Col. A.M.
De boca a barlavento
I
Esta
a minha mão de milho & marulho
Este
o sol a gema E não
o sol a gema E não
o esboroar do osso na bigorna
E embora
O deserto abocanhe a minha carne de homem
E caranguejos devorem
esta mão de semear
Há sempre
Pela artéria do meu sangue que g
o
t
e
J
a
De comarca em comarca
A árvore E o arbusto
Que arrastam
As vogais e os ditongos
para dentro das violas
II
Poeta! todo o poema:
geometria de sangue & fonema
Escuto Escuta
Um pilão fala
árvores de fruto
ao meio do dia
E tambores
erguem
na colina
Um coração de terra batida
E lon longe
Do marulho à viola fria
Reconheço o bemol
Da mão doméstica
Que solfeja
Mar & monção mar & matrimónio
Pão pedra palmo de terra
Pão & património
Fonte: http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_africana/cabo_verde/corsino_fortes.html
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