domingo, 5 de janeiro de 2014

Poesia africana


CAETANO DE COSTA ALEGRE
(26 de Abril de 1864 - 18 de Abril de 1890)

Manuel Ferreira, das Ilhas São Tomé e Príncipe, dava a seu conterrâneo Caetano de Costa Alegre (26 de Abril de 1864 - 18 de Abril de 1890) o título de "criador da negritude em poesia", com versos assim: "Ah! Pálida mulher, olha, a noite é negra e tem milhões de estrelas,/ o dia é belo e branco e tem apenas uma".
Antonio Olinto

CANTARES SANTOMENSES
(A meu tio Jerônimo José da Costa)

Branca a espuma e negra a rocha,
Qual mais constante há-de ser,
A espuma indo e voltando,
A rocha sem se mexer?

Não creias que em teu jazigo
Alguém parta o coração,
No mundo quem morre, morre,
Quem cá fica come pão.

Não me dizem quanto tempo
Tenho ainda que viver,
Ficava ao menos sabendo
Quando finda o meu sofrer.

Se eu me casasse contigo,
Fazia um voto de ferro,
De deixar-te unicamente
No dia do meu enterro.

Todos me dizem: “esquece
Essa paixão, que te abrasa”.
Que serve fechar a porta
Ao fogo que tenho em casa?

Não havia tanta cara
De asno, de tolo e pedante,
Se falasse, quem censura,
Com um espelho adiante.

Brotam espinhos da rosa,
O incêndio brota do lume.
A traição brota das juras,
Brota do amor o ciúme.

Numa loja conhecida
O que é cem custa duzentos,
Levam dinheiro em fazendas
E o tempo nos cumprimentos.

Macaco, chamaste tolo
Ao meu pequeno sagüi.
Também queria que ouvisses
O que ele disse de ti.

Por teu desdém não me mato,
Não faço tamanha asneira,
Se o meu amor tu não queres,
Há muita gente que o queira.

Quem pode num campo vasto
O joio apartar dos trigos?
Quem conhece dentre os falsos
Os verdadeiros amigos?


A NEGRA

Negra gentil, carvão mimoso e lindo
Donde o diamante sai,
Filha do sol, estrela requeimada,
Pelo calor do Pai,

Encosta o rosto, cândido e formoso,
Aqui no peito meu,
Dorme, donzela, rola abandonada,
Porque te velo eu.

Não chores mais, criança, enxuga o pranto,
Sorri-te para mim,
Deixa-me ver as pérolas brilhantes,
Os dentes de marfim.

No teu divino seio existe oculta
Mal sabes quanta luz,
Que absorve a tua escurecida pele,
Que tanto me seduz.

Eu gosto de te ver a negra e meiga
E acetinada cor,
Porque me lembro, ó Pomba, que és queimada
Pelas chamas do amor;

Que outrora foste neve e amaste um lírio,
Pálida flor do vale,
Fugiu-te o lírio: um triste amor queimou-te
O seio virginal.

Não chores mais, criança, a quem eu amo,
Ó lindo querubim,
O amor é como a rosa, porque vive
No campo, ou no jardim.

Tu tens o meu amor ardente, e basta
Para seres feliz;
Ama a violeta que a violeta adora-te
Esquece a flor-de-lis.


PARA UM LEQUE


Se eu lhe fosse depor, minha senhora,
Por entre estas mentiras cor de aurora
Uma verdade sã e proveitosa,
Chamava-lhe vaidosa!
E, faça-me favor,
Não encrespe esse olhar acostumado
Ao falso galanteio delicado
E a finezas de amor.

II

Eu sei perfeitamente que Vocência
Possui a verve, a fina inteligência.
Que eu...não admiro, e toda a gente adora,
Duma mulher doutora.
Portanto vai então
Achar-me pouco amável no que digo,
Mas, por fim, há-de concordar comigo
E dar-me até razão.

III

Senão Vocência que me diga, franca,
Para que serve numa folha branca:
“A senhora é rainha da beleza;
Em graça e gentileza,
Um cisne a flutuar
Num lago não a iguala. Encanta, prende,
Como grades de ferro, a luz que esplende
Do seu profundo olhar”?

IV

Enfim, essas tolices que descubro
No leque, e que seu lindo lábio rubro
Agradece aos autores discretamente
Dizendo-lhes, ridente:
– Que bonitos que estão
Os versos!... Eu bem sei que não mereço
O que neles me diz, pois me conheço.
Mas...toque. E estende a mão

V

Suponha agora (é só por um momento)
Que esse escuro cabelo esparso ao vento,
Pelo vento é levado; em outros termos,
Para nos entendermos,
Suponha que ele cai,
Que o pouco que ficou se torna neve
E que a pele gentil do rosto breve
Encarquilhando vai!

A minha cor é negra, Indica luto e pena;
É luz, que nos alegra,
A tua cor morena.
É negra a minha raça,
A tua raça é branca, Tu és cheia de graça,
Tens a alegria franca,
Que brota a flux do peito
Das cândidas crianças.
Todo eu sou um defeito,
Sucumbo sem esperanças,
E o meu olhar atesta
Que é triste o meu sonhar,
Que a minha vida é mesta
E assim há-de findar!
Tu és a luz divina,
Em mil canções divagas,
Eu sou a horrenda furna
Em que se quebram vagas!...
Porém, brilhante e pura,
Talvez seja a manhã
Irmã da noite escura!
Serás tu minha irmã?!...

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