LUÍS CARLOS PATRAQUIM
LínguaMpurukuma, Língua, corpo quase,o que sou de sobrepostas vozes,Bayete!E tu, pássaro da alma, Mpipi adejandosobre o losango tumultuante de cores,Templo onde me cerco,não me abandones, cão inflando para o riouma escarninha balada que nos enforca.Esfumou-se a Torre na praia nocturna,a preposição que olfactava o nervoe Ele dorme ainda e expulso.Quando a palavra surge, inteira, das águase os espíritos batem a respiração do batuque,Ele tacteia os nomes nas abóbadas de sanguee entra pelo silêncio, dobrando-seem número.Leva-o nas tuas asas, ó sombraque as patas de cinza espargiram no vento,soluço de Leanorem saínhos sete de capulanas mil,Ilha mineral, Mpipi hílare no azulonde me cego.Que sinais sobre que mar do exílio ousom de algas lavando-te o rosto, se inscreveramem ti, mulher larga no Índico,língua por dentro dos lábios cavando, obscuro,um reino por achar?Língua, Mpurukuma quase.Depois das elegiasdepois das elegias o alcandorado gritosobre o deserto chão do poema,desinventário de européis no fulgorem barrocas cornijas de caniço ao alto,a chuva,e o chão ele mesmo vertigem,as estiradas praias de silênciono tapume como ínsulas do incerto marna cidade dos cedros, sonetos antigos,negreiros tijolos de incisõesa desaguarin Cadernos «Diálogo» 1As Palavras Amadurecem – 1988Metamorfosea Mãe não era ainda mulhere depois ficou Mãee a mulher é que é a vagem e a terraentão percebi a core metáforamas agora morto Adamastortu viste-lhe o escorbuto e cantaste a madrugadadas mambas cuspideiras nos trilhos do matofalemos dos casacos e do medotamborilando o som e a fala sobre as planícies verdese as espigas de bronzeas rótulas já não tremulam não e a sete de Marcochama-se Junho desde um dia de há muito com meia dúziade satanhocos moçambicanos todos poetas gizandoa natureza e o chão no parnaso das balasfalemos da madrugada e ao entardecerporque a monção chegoue o último insone povoa a noite de pensamentos grávidosnum silêncio de rãs a tisana do desejoenquanto os tocadores de violacom que latas de rícino e amendoimpercutem outros tendões da memóriae concretaa música é o brinquedoa rodae o sonhodas crianças que olham os casacos e riemna despudorada inocência deste clarão matinalque tuclandestinamente plantasteAOS GRITOSin Cadernos «Diálogo» 1As Palavras Amadurecem - 1988
De
Luis Carlos PetraquimO OSSO CÔNCAVO
e outros poemasOrganização Floriano Martins
Artista Convidado Fernando Pacheco
São Paulo: Escrituras, 2008
174 p. ISBN 978-85-7531-314-5
Luís Carlos Patraquim reúne em O Osso Côncavo e Outros Poemas (1980-2004) , simultaneamente título de um novo volume de poemas, e desta antologia pessoal, grande parte dos seus poemas, publicados anteriormente em Monção (1980), A Inadiável Viagem (1985), Vinte e tal Novas Formulações e Uma Elegia Carnívora (1991), Mariscando Luas (1992) e Lidemburgo Blues (1997).O poeta é uma das vozes mais inovadoras da nova poesia moçambicana, que se revela logo no início da década de oitenta, demarcando-se da temática geral da exaltação ideológica. Uma opção de escrita, e de um percurso intertextualizado em outros textos da poesia moçambicana, que distinta e originalmente se destaca pela procura de um itinerário próprio, alicerçado em propostas anteriores, reformulando-as, e que inaugura diferentes vertentes para a lírica moçambicana.É um percurso que se concretiza numa textualidade onde se revela e, ao mesmo tempo, se rasura a dimensão de natureza ideológica, que se inscreve, todavia, obtusa e transversalmente. Prática que contrasta com a postura, muitas vezes, vitoriosa do discurso mimético e pleno, erguido da então recente conquista da independência política. Escolha porventura difícil, subvertendo a monção favorável do slogan, da palavra de ordem e, digase também, o vazio editorial que, na altura, o primeiro livro do poeta veio preencher. ANA MAFALDA LEITEEstive com Luis Carlos Patraquim, em Fortaleza, durante a memorável Feira Internacional do Livro do Ceará, organizado por nosso amigo comum Floriano Martins, e o poeta ofereceu-me, com uma generosa dedicatória, sua antologia O OSSO CÒNCAVO E OUTROS POEMAS, lançado no Brasil, bela edição ilustrada pelo artista plástico Fernando Pacheco. Aqui vai uma seleção de seus magníficos poemas. Antonio Miranda
ACONTECIMENTO
sobre as espigas trémulas
os pássaros migram
para os meridianos virgens
do eu rosto no vento
a densidade da bocaA VOZ E O VENTO
com palavras faço a voz
e o vento
de que viajam e são
insistente desejo a lucilar
sobre a pele morna
de girassóis filtrando
teu rosto
seios
paisagem nua de ventre
com palavras a voz do que faço
estes dias infensos
a pendor de gumeREMINISCÊNCIA
às vezes o exílio
é uma árvore aberta
na imponderável noite
e nada espreita
a estrada larga
fonte do olhar
principia como um homem
multidões ao vento
a terra exangue
o grito arávelCANÇÃOPara a Paulachegarei com as árvoresmeu amor ao som do sangueàs catedrais do puro gestocom o grito e as avesmarítimas dentro das sílabasao breve cume da espumamãos nas mãos chegareichegarei com as espadasareia verde dó planícieao tutano meu amor da fomecom os frutos nos teus olhosamante vento à esperaao sexo nuclear do mundonervo a água chegareichegarei nas manhãs suadasda voz meu amor libertaà nocturna onda do poemacom as aves dentro do gritoou só marítimo ecoà raiz exígua dos cristaismorte a morte chegareichegarei de pé ao silêncioque vaza meu amor nos riosremo a canto deslumbradoscontigo ao princípio chegareiNATUREZA VIVA
Que o figo avermelhe a teu desejo,
Ovo granular, constelação;
E a polpa verde-escura,
Túmido impulso ou queda arborizando-se
Dentro dos ossos, te envolva,
Como estirada jaz a pele da infância.Fonte:http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_africana/mocambique/luis_carlos_patraquim.html
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