domingo, 15 de dezembro de 2013

Poesia africana - Olinda Beja



OLINDA BEJA
(São Tomé e Príncipe, 1946)  Poeta e narradora, com vários livros publicados, dentre os quais: Bô Tendê? (poemas), 15 dias de regresso (romance), e Pé-de-perfume (contos).

De

Olinda Beja  Aromas de Cajamanga
Org. e prólogo de Floriano Martins. 
São Paulo:  Escrituras, 2009.  174 p. (Coleção Ponte Velha)
ISBN  978-85-7531-340-4
www.escrituras.com.br  /    escrituras@escriturascom.br

QUEM SOMOS?

O mar chama por nós, somos ilhéus!
Trazemos nas mãos sal e espuma
cantamos nas canoas
dançamos na bruma

somos pescadores-marinheiros
de marés vivas onde se escondeu
a nossa alma ignota
o nosso povo ilhéu

a nossa ilha balouça ao sabor das vagas
e traz a espraiar-se no areal da História
a voz do gandu
na nossa memória...

Somos a mestiçagem de um deus que quis mostrar
ao universo a nossa cor tisnada
resistimos à voragem do tempo
aos apelos do nada

continuaremos a plantar café cacau
e a comer por gosto fruta-pão
filhos do sol e do mato
arrancados à dor da escravidão


POR TI

Por ti espero naquela roça grande
no perfume do izaquente
no sopro do vento irrequieto
no riso da montanha misteriosa.

Por ti espero junto ao secador
que meu avô ajudou a construir
e o cheiro do cacau
invade o corpo
que acalenta a esperança
de rever-te.

Espero sentada
no caminho que vai até à Grota
e serpenteio
a estrada de Belém onde as fruteiras
espreitam o sol
e o vianteiro.

Por ti espero
na calma do poente
entre a ânsia
e o amor que me consome.

A tarde vai caindo e nostalgicamente
arrastando o meu dilúvio de ternura.

Por ti espero ainda
no breu da noite imensa
na raiva que a paixão derrama e sangra
e é o tam-tam da madrugada que me obriga
a apagar da memória
a tua imagem

RAÍZES
Há rumores de mil cores enfeitando o espaço
de gorjeios infantis
transportando aquele abraço de anãs juvenis
árias que perduram na mensagem
da nossa voz e da nossa imagem.

São rumores de tambores
repercutindo a esperança de olhares inquietos
toada de lembranças
liturgia de afectos.
São rumores maternais
presos à terra que nos diz
que só o maior dos vendavais
arranca da árvore a raiz.

NEGBA
Passas dengosa
perfumosa
exibindo olhares lascivos
às multidões do sexo.
Balouças
a flor de lótus
que escondes no teu corpo
por entre a garridez
de tecidos virginais
e vais
deixando pólen
gostoso
africanoso
em detalhes colíricos
de afectuosas manhãs

ÉBANO
Noite sem lua no deserto que comprime
a exatidão das coisas
paradoxo ambíguo de solidão estática do astro
         inigualável
noite de breu no areal sem fim
do eterno além-fronteira
onde o nada vive acorrentado à esfinge
da nossa escuridão
flutuam estrelas mas a lua
não vem na mesma rota
das quimeras
escondeu o rosto na lagoa
onde perpétuo repousa
o despertar inviolável
da nossa cor de ébano

GERMINAL
Ó minha ilha queimada pelo sol
pelas lágrimas do vento que escorreram
das escarpas e das vidas de teus filhos

em ti repousam as cinzas das esperanças
que outrora viveram no leito de teus rios
Malanza, Manuel Jorge, Contador, Cauê...
Em ti germinam vidas repassadas
de lua e sol no cais do sofrimento
que as âncoras da vida vão soltando!
Ó minha ilha adocicada pela chuva
lacrimejante e pura batendo na sanzala
de todos os ilhéus sequiosos de amanhãs.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Mulheres Pretas

    Conversar com a atriz Ruth de Souza era como viver a ancestralidade. Sinto o mesmo com Zezé Motta. Sua fala, imortalizada no filme “Xica...