por Dennis Oliveira
Este ano de 2013 foi importante porque
aponta importantes desafios para o movimento anti-racista. O desemprego
em baixa, as possibilidades – ainda que limitadas – de inclusão de
negros e negras por meio das cotas, das políticas sociais e outras
medidas foram importantes para o enfrentamento da exclusão racial. A
pauta colocada pelo governo para o movimento anti-racista foi discutir o
neodesenvolvimentismo e a luta contra o racismo.
Ao mesmo tempo
que isto aconteceu, recrudesceu a violência na periferia atingido,
principalmente, os jovens negros. Os dados mostram que os homicídios
praticados por forças policiais e cidadãos têm como vitima principal o
jovem negro. Por esta razão, várias organizações anti-racistas falam de
um "genocídio da população negra", termo que foi até empregado pela
própria presidenta da República por ocasião da abertura da III
Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial em novembro, em
Brasília.
O projeto neodesenvolvimentista é uma estratégia do
governo atual de se colocar de forma um pouco mais autônoma no circuito
global do capitalismo, pensando em um modelo de modernização no país.
Grosso modo, este projeto combina políticas sociais de inclusão (gerais e
específicas) com negociações que permitem o país desenvolver uma ação
modernizante com relativa autonomia. Esta ação modernizante passa pela
forte intervenção na paisagem urbana das grandes metrópoles tendo como
pano de fundo a realização de grandes eventos (Copa do Mundo,
Olimpíadas, Rio +20, entre outros); incentivo a formação de grandes
conglomerados nacionais capazes de intervir no mercado global
(empreiteiras investindo em obras em países da América Latina e África).
No
campo educacional, há um nítido viés de formação e qualificação de mão
de obra. Os investimentos em educação tecnológica são uma prova disto.
Ao mesmo tempo que atendem a uma demanda da sociedade, também
proporcionam ao grande capital a existência de um mercado de trabalho
mais qualificado. Outros custos deste neodesenvolvimentismo são
assumidos pelo Estado brasileiro, com o corte de determinados impostos,
redução das tarifas de energia elétrica e pressão para a redução das
taxas de juros. Voraz, o grande capital exige ainda mais, quer também a
total desregulamentação do trabalho, a redução dos direitos
trabalhistas, entre outros. Por esta razão, esta demanda da desregulação
do trabalho é colocada na pauta do Congresso Nacional com apoio
governamental.
Apesar da inclusão social inédita na história
recente do país, ao não tocar determinados mecanismos estruturais, este
projeto não conseguiu conter o recrudescimento da faxina étnica já
pensada anos atrás, como estratégia política das classes dominantes,
durante a implantação do neoliberalismo. Com uma classe média urbana
formada, basicamente, por meio de "consumo de serviços" que deveriam ser
obrigação do Estado (saúde e educação privadas) e, portanto,
contaminada com a ideia de "distinção" social e não pela existência de
um Estado de bem estar social, este projeto ganha pouco apoio e até tem
oposição de parcela significativa da classe média. Esta, por sua vez,
destila todo o seu sentimento racista e dá base de apoio para políticas
de faxina étnica. Do ponto de vista objetivo, tal política de faxina
étnica tem base nos projetos de intervenção urbana e gentrificação nas
metrópoles.
É por isto que aumentam a violência policial nas
grandes metrópoles, os assassinatos de jovens negros nas periferias, as
remoções forçadas de favelas e moradias de pessoas de baixa renda, o
descaso com a implantação da Lei 10639/03 na educação básica (uma vez
que esta lei não é prioridade para uma concepção de educação tecnicista e
formadora de mão de obra), entre outros.
Isto porque a única
possibilidade de combate ao racismo que o projeto neodesenvolvimentista
possibilita é a abertura de alguns espaços para a participação de
parcela da população negra (daí as cotas nas universidades e no serviço
público serem bandeiras que o governo encampou), em outras palavras,
como atendidos e não como protagonistas deste processo. Basta ver e
comparar o tamanho dos gastos públicos com a Copa do Mundo, por exemplo,
e o orçamento da Seppir (que foi cortado em 25% nos últimos anos).
Por
isto que se percebe uma paulatina despolitização dos espaços
institucionais – como as conferências, conselhos participativos e
secretarias – vinculadas à questão racial: apesar de tais espaços
possibilitarem um diálogo do movimento anti-racista com o Estado, não
existe um plano com metas a curto, médio e longo prazo e medidas tomadas
para atingir tais metas que possam ser monitoradas autonomamente pelo
movimento anti-racista. Este, por sua vez, se perde ou em um debate
pautado única e exclusivamente pelos interesses partidários e eleitorais
(os que defendem ou são contra o atual governo) ou, pior ainda, pelas
conveniências particulares, como financiamento de projetos de
organizações, relações mercantilistas, carreiristas, entre outros. No
processo de preparação da III Conapir, um dirigente de uma importante
entidade do movimento negro disse, a respeito da ministra Luiza Bairros:
"Ela não dá dinheiro pra gente!", justificando a sua oposição à gestão
da ministra que, entre outras coisas, instituiu as chamadas públicas
para conter o "balcão de negócios" que virou os projetos financiados
pelo ministério.
Em função disto e outras coisas, cresce entre
jovens negros e negras, um profundo sentimento "antipartido" e a busca
por possibilidades de militância em espaços extra-institucionais.
Ao
invés de simplesmente desdenhar desta situação, taxando todos de
"despolitizados", é preciso entender tal demanda. É uma geração de
jovens militantes que tem identidade racial, consciência do racismo mas
não confia nas organizações tradicionais. Desconfia da política reduzida
ao mero jogo eleitoral e à ocupação de espaços institucionais. Quer ser
ouvida, ter protagonismo e se representar. E querem mudanças profundas
que, lembrando o grande pensador Clóvis Moura, não podem ser construídas
na esfera institucional e sim a partir de mobilizações sociais.
Deixo
esta mensagem para os leitores desta coluna pensarem neste final do
ano. 2014 promete, mas por enquanto desejo a todos boas festas e
estaremos juntos no próximo ano, já no novo projeto da revista Fórum
tocado pelo grande amigo, companheiro e parceiro na luta Renato Rovai.
Axé a todos!!!
Fonte: Quilombo
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