MANUELA MARGARIDO
(1925-2007)
(1925-2007)
Maria Manuela Conceição Carvalho Margarido (roça Olímpia, Ilha do Príncipe, 1925 - Lisboa, 10 de Março de 2007) foi uma poetisa são-tomense.
Manuela Margarido cedo abraçou a causa do combate anti-colonialista, que a partir da década de 1950 se afirmou em África, e da independência do arquipélago. Em 1953, levanta a voz contra o massacre de Batepá, perpetrado pela repressão colonial portuguesa.
Denunciou com a sua poesia a repressão colonialista e a miséria em que viviam os são-tomenses nas roças do café e do cacau.
Estudou ciências religiosas, sociologia, etnologia e cinema na Sorbonne de Paris, onde esteve exilada. Foi embaixadora do seu país em Bruxelas e junto de várias organizações internacionais.
Em Lisboa, onde viveu, Manuela Margarido empenhou-se na divulgação da cultura do seu país, sendo considerada, a par de Alda Espírito Santo, Caetano da Costa Alegre e Francisco José Tenreiro, um dos principais nomes da poesia de São Tomé e Príncipe.
Fonte: Wikipédia
II
Abstracto o Outono
como de folhas caídas
mteiramente feito.
De vôo indefmido
faço a ave que sonho
e no céu a lanço
cinzenta de espanto.
Olho e não sei:
vejo-me nua na nuvem
que ora passa.
Lento ponteiro que sofre
a prisão da sua marcha.
XVI
No dia em que te foste embora,
longos navios de silêncio
encheram a casa,
tão grande, tão vasta!
Todos os gatos da vizinhança
comiam cogumelos
e varriam as cascatas
dos cemitérios
com agudas lâminas de tédio.
No cais das horas
fiquei a esperar-te:
grande pedra de saudade
de olhos hirtos.
Paira sobre mim a presença
de uma mão pálida
e sempre uma ave parte:
nunca sei para onde.
VÓS QUE OCUPAIS A NOSSA TERRA
E preciso não perder
de vista as crianças que brincam:
a cobra preta passeia fardada
à porta das nossas casas.
Derrubam as árvores fruta-pão
para que passemos fome
e vigiam as estradas
receando a fuga do cacau.
A tragédia já a conhecemos:
a cubata incendiada,
o telhado de andala flamejando
e o cheiro do fumo misturando-se
ao cheiro do andu
e ao cheiro da morte.
Nos nós conhecemos e sabemos,
tomamos chá do gabão,
arrancamos a casca do cajueiro.
E vós, apenas desbotadas
máscaras do homem,
apenas esvaziados fantasmas do homem?
Vós que ocupais a nossa terra?
V
A ilha te fala
de rosas bravias
com pétalas
de abandono e medo.
No fundo da sombra
bebendo por conchas
de vermelha espuma
que mundos de gentes
por entre cortinas
espessas de dor.
Oh, a tarde clara
deste fim de Inverno!
Só com horas azuis
no fundo do casulo,
e agora a ilha,
a linha bravia das rosas
e a grande baba negra
e mortal das cobras.
SOCOPÉ
Os verdes longos da minha ilha
são agora a sombra do ocá,
névoa da vida,
nos dorsos dobrados sob a carga
nos dorsos dobrados sob a carga
(copra, café ou cacau — tanto faz).
Ouço os passos no ritmo
calculado do socopé,
os pés-raízes-da-terra
enquanto a voz do coro
insiste na sua queixa
(queixa ou protesto — tanto faz).
Monótona se arrasta
até explodir
na alta ânsia de liberdade.
ROÇA
A noite sangra
no mato,
ferida por uma aguda lança
de cólera.
A madrugada sangra
de outro modo:
é o sino da alvorada
que desperta o terreiro.
E o feito que começa
a destinar as tarefas
para mais um dia de trabalho.
A manhã sangra ainda:
salsas a bananeira
com um machim de prata;
capinas o mato
com um machim de raiva;
abres o coco
com um machim de esperança;
cortas o cacho de andim
corn um machim de certeza.
E à tarde regressas
a senzala;
a noite esculpe
os seus lábios frios
na tua pele
E sonhas na distância
uma vida mais livre,
que o teu gesto
há-de realizar.
PAISAGEM
Entardecer... capim nas costas
do negro reluzente
a caminho do terreiro.
Papagaios cinzentos
explodem na crista das palmeiras
e entrecruzam-se no sonho da minha infância,
na porcelana azulada das ostras.
Alto sonho, alto
como o coqueiro na borda do mar
com os seus frutos dourados e duros
como pedras oclusas
oscilando no ventre do tornado,
sulcando o céu com o seu penacho
doido.
No céu perpassa a angústia austera
da revolta
com suas garras suas ânsias suas certezas.
E uma figura de linhas agrestes
se apodera do tempo e da palavra.
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