segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

O Funeral de Mandela na Tradição Xhosa - o que a televisão não mostrou


O funeral do ex-presidente da África do Sul e líder antiapartheid, Nelson Mandela, será marcado por uma série de rituais especiais, carregados de simbolismo.
Ele será enterrado neste domingo, na cidade onde cresceu, Qunu, na província de Cabo Oriental em cerimônia restrita a parentes e convidados.
Neste sábado, o corpo chegou ao pequeno vilarejo, sob forte aparato de segurança, vindo de Pretória, onde fora velado por três dias.
Celebrada pelo clã Thembu, a cerimônia seguirá a tradição Xhosa, etnia à qual Mandela pertence e da qual é considerado um líder.
Segundo a tradição Xhosa, quando alguém morre longe de sua casa, como o ex-líder sul-africano (que faleceu em sua residência em Joanesburgo), rituais de 'retorno simbólico' têm de ser realizados.
Por trás da liturgia, explica o especialista Somadoda Fikeni, está a crença de que a alma do morto precisa voltar para casa, além de ser reunida no funeral com seus restos mortais, de forma a alcançar sua 'harmonia espiritual'.
Caso esses rituais não sejam executados, os membros da etnia Xhosa acreditam que o espírito poderia vagar sem descanso, trazendo azar à família do morto.
Por outro lado, o cumprimento da tradição agradaria ao criador e aos antepassados (mediadores entre o criador e os vivos), trazendo sorte e proteção à família de quem morreu.
Se alguma das etapas não for cumprida, a cerimônia precisa corrigir "o erro", de maneira a aplacar a fúria dos ancestrais e do criador.
Enquanto os restos mortais são transportados de volta para casa, um membro sênior ou especialista na tradição Xhosa é selecionado para celebrar os rituais necessários para invocar o retorno do espírito.
Entre esses ritos, estão conversar com o morto, indicando que a jornada de retorno a seu local de nascimento e onde o seu cordão umbilical foi enterrado, está começando.
Ervas especiais e remédios são ocasionalmente usados na cerimônia. O espírito é guiado à sua casa à medida que os nomes dos rios e dos lugares que ele cruzou são mencionados.
Uma das etapas inclui a invocação do izibongo (canções da família ou do clã) e a menção dos antepassados, com quem o morto "se reunirá".
Na chegada, o espírito também é informado de seu retorno e solicitado a ajudar a fazer a mediação com o criador e com os ancestrais para proteger a família e a nação.
No momento do enterro, um boi é sacrificado por uma pessoa designada que usa uma lança tradicional da casa do morto ou de seu clã.
Se a vaca, o boi ou o touro sacrificado "berrar" durante o sacrifício, trata-se de um sinal de que os ancestrais estão agraciados e darão as boas-vindas à pessoa que partiu.
Em algumas ocasiões, outro animal é sacrificado caso o primeiro não emita o som estridente.

Rituais elaborados

mandela caixao
Ex-presidente da África do Sul e líder antiapartheid, Nelson Mandela morreu aos 95 anos
Se o morto for de uma família real ou é chefe ou rei, esses rituais são mais elaborados.
Por exemplo, o caixão é gerado coberto com pele de leopardo se o morto era um chefe (caso de Mandela) ou uma pele de leão se a pessoa tiver sido um rei.
Durante o funeral, líderes tradicionais ou reais montam guarda ao lado do caixão.
Em um dado momento, um imbongi (uma espécie de trovador com profundo conhecimento da história do chefe ou do rei a ser enterrado) apresenta o morto recitando seus nomes tradicionais e descrevendo suas características.
Em seguida, o corpo da pessoa, especialmente o de um líder tradicional, é envolvido na pele de um animal, normalmente o do que foi sacrificado momentos antes.
O morto é, então, enterrado com seus pertences e as coisas de que gostava e usava durante a sua vida terrena. Lanças, um escudo e tabaco também são alguns dos itens depositados no caixão.
Algumas pessoas são enterradas sentadas, enquanto outras deitadas.
De novo, rituais envolvendo a libação (derramamento de água) são celebrados durante o enterro e na lápide.
A chuva durante os dias anteriores à cerimônia ou no próprio dia do enterro são interpretadas como um bom sinal de que os céus e o mundo espiritual estão acolhendo o morto.
A manhã do funeral – e as semanas posteriores ao enterro – são consideradas um assunto privado da família, que envolve o sacrifício de uma ovelha ou de uma cabra e o uso de ervas para limpar os parentes do morto e pedir por sua proteção.
Na ocasião, os membros mais velhos da família também fazem discursos, nos quais confortam os outros integrantes da família com palavras de conforto e sabedoria enquanto lembram todos de seus respectivos papéis, considerados cruciais para a sobrevivência e sustentação do clã.

Luto

xhosa
Enterro de Mandela será marcado por série de rituais especiais seguindo a tradição Xhosa
É também nesse momento que detalhes específicos de como a família vai encarar o período de luto.
Frequentemente, os que estão de luto não participam de eventos sociais.
Algumas famílias Xhosa usam roupas pretas durante esse período. Ao final dele, essas vestimentas são queimadas.
Também é costume em algumas famílias que a viúva do morto não cozinhe durante esse tempo.
Depois de seis meses ou um ano, o período de luto se encerra com uma outra celebração, na qual a família e os amigos levam presentes para a(s) viúva(s) ou filhos de quem morreu.
A entrega dos presentes é uma maneira simbólica de substituir os itens antigos associados ao morto, como, por exemplo, uma cama ou lençóis.
Nesse momento, a ênfase é sobre a liberdade que o enlutado volta a ter, mas com dignidade e respeito à honra do morto e de sua família.
Anos mais tarde, os rituais familiares e as cerimônias envolverão a invocação do espírito do morto como um antepassado para fazer a mediação entre os vivos e o criador. Tal honra é reservada apenas às pessoas que se distinguiram e foram virtuosas durante a vida.



Fonte: BBC

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