Segundo Franklin Martins, responsável pela série "Presidentes Africanos", continente vive "momento crucial"
A África atual se ressente da falta de uma infraestrutura que promova a integração entre os países do continente, segundo o jornalista e ex-ministro Franklin Martins, que acaba de estrear a série de reportagens "Presidentes Africanos".
O documentário, contendo 15 episódios, é composto de entrevistas com os líderes de 13 dos maiores países africanos, entre os quais África do Sul, Moçambique, Egito e Tunísia. Também são apresentadas características históricas e geográficas e a realidade do continente que mais cresceu economicamente nos últimos dez anos.
Franklin Martins foi ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social do Brasil durante o mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, de 2007 até 2010. "Presidentes Africanos" marca seu retorno à TV como jornalista. A série é exibida nos canais Discovery Civilization e Band.
Em entrevista a Opera Mundi, Martins conta suas impressões do "momento crucial" da África, em geral, e dos líderes com os quais conversou, que têm "consciência da importância da democracia".
Opera Mundi: Qual é, em sua opinião, a sensação dos africanos em relação à política externa do Brasil nas três últimas presidências, de Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff?
Franklin Martins: Eu acho que, de um modo geral, existe sensação de que o Brasil, nos últimos dez anos, voltou a ter uma política ativa na África. Isso foi deixado pra trás no governo do Fernando Henrique, a África não existia, e, a partir do governo do Lula, voltou a ter relevância, antes não tinha nenhuma. Isso é evidenciado, primeiro, pelo número de viagens do presidente Lula ao continente. Segundo, pelo grande número de embaixadas abertas na África e também pelo aumento das embaixadas africanas no Brasil. Em terceiro, o aumento muito forte da presença da África no comércio exterior do Brasil e do investimento brasileiro na África. Em quarto, a presença diplomática do Brasil, com a implantação de programas de cooperação na área social, educativa, de saúde. Mesmo a presença política. Acho que eles têm um sentimento de que a África hoje em dia é importante para o Brasil e isso é muito importante pra eles.
O ex-ministro Franklin Martins entrevista o presidente da Nigéria, Goodluck Jonathan, para sua nova série.
Eles também percebem que o Brasil, por ser um país tropical, com geografia parecida com a da África, por ter laços históricos e culturais com o continente, pode ser encarado de um jeito místico, do “deu certo”.
OM: A África foi o continente que mais cresceu nos últimos dez anos, apesar de quase todo o mundo ter entrado em recessão por causa da crise de 2008-2009. Que lições desse desenvolvimento africano o Brasil poderia tirar?
FM: Dos 15 países que mais cresceram nos últimos dez anos, dez são da África. A África passa por um processo de crescimento rigoroso. Isso tem a ver com a potencialidade do continente, com a população jovem, mas também com o fortalecimento da democracia e da paz. Em um ano, houve 17 eleições na África e, em geral, com resultados aceitos pela comunidade internacional. Por outro lado, existe o processo crescente de paz. De um bilhão de africanos, 100 milhões vivem em regiões onde há ameaça de conflito ou presença de conflito. Isso é uma novidade, porque antes havia muito mais áreas de conflito, muito por causa das fronteiras extremamente artificiais.
Hoje, de um modo geral, a África vive um ambiente de paz. Isso permite forte crescimento econômico. O Brasil pode se beneficiar disso, tem potencial tecnológico, elétrico, logística para regiões tropicais… Empresas de agricultura lá podem ter resultados espetaculares, porque a África é um grande cerrado. Tem florestas, mas é um grande cerrado, que lá é chamado de savana.
OM: O senhor trabalhou durante muitos anos no governo brasileiro. Qual a sua avaliação da infraestrutura da África, considerando a gestão e a organização do poder?
FM: A África tem seríssimos problemas de infraestrutura. De um modo geral, foi construída voltada para o exterior, de exportação para as metrópoles. A África se ressente da falta de estrutura, de logísticas de integração, esse é um dos grandes problemas. Assim, se usa pouco o mercado interno, a produção é voltada para o mercado externo. Hoje, o comércio interafricano representa só 3% no continente. O objetivo é chegar a 20%, 25%.
A União Africana tem o Pida [Programa para Desenvolvimento de Infraestrutura na África, na sigla em inglês], que é um projeto de rodovias, eletricidade e transporte que permita à África se integrar mais. É um projeto ambicioso, com previsão de término até 2020, 2025. Já foram investidos mais de 60 bilhões de dólares. Já estão começando a construir.
Já a questão do poder, é um problema que a África tem, a África está construindo sua democracia. A existência de países onde os governos são democráticos é muito maior se for comparada com 20 anos atrás. É incomparável. O processo de construção da democracia é demorado. A África tem participação eleitoral altíssima, 70%, 80% da população, diferente dos EUA e dos países europeus, onde cerca de 30% da população votam. É uma democracia alquebrada, um pouco cansada. Isso é um processo de construção. Entre os presidentes que eu entrevistei, existe uma consciência muito grande da importância da democracia. Existe na sociedade uma compreensão de que o único caminho para a África, o caminho seguro, responsável, eficaz, é a democracia.
Mas as pessoas vão dizer que há países em que o presidente está no poder há 20, 30 anos. Eu entrevistei o presidente de Angola, José Eduardo Santos, e perguntei se ele não achava que estava há muito tempo no poder. Ele disse: acho que é muito tempo, preferia não estar, mas tivemos uma guerra civil de 27 anos, não dava para fazer eleições. E ele foi reeleito em 2012, democraticamente. Na Europa, por exemplo, Angela Merkel acabou de conquistar o terceiro mandato, democraticamente. Quando, na África, há uma duração muito longa de um governo, todo mundo discute isso. Nesses países, é inevitável.
OM: O senhor entrevistou o ex-presidente do Egito Mohamed Mursi depois de ele ser eleito, mas antes de ser deposto. Ele é acusado de ser extremamente centralizador e de tentar “islamizar” a Constituição. Qual a sua impressão sobre ele e o atual momento do Egito?
Estou seguro que, dentro de poucos anos, grande parte desses setores estará arrependida de ter contribuído com um golpe de Estado sanguinolento – fizeram barbaridades com os seguidores de Mursi – e que lançou o Egito numa noite de trevas pior do que tinha sido no período do Mubarak.
OM: Além de Mursi, o senhor também entrevistou outro líder importante de um país que passou pela chamada Primavera Árabe, Moncef Marzouki, da Tunísia. Como o senhor vê o país depois da revolução?
FM: Tanto o Egito quanto a Tunísia passaram por momentos ricos que afastaram ditaduras. No Egito, produziu-se essa situação de retorno à ditadura. Na Tunísia, houve a percepção muito aguda da necessidade de uma cooperação entre os dois lados.
O próprio presidente Marzouki diz que governa um país com duas dimensões: islâmica e mediterrânea. Elas têm que coexistir e têm que ser levadas em conta. O país não conseguirá se entender se uma das dimensões sufocar a outra. É necessário entender que existe uma dimensão mediterrânea que tem que ser levada em conta, mesmo se o lado islâmico tiver ganhado as eleições.
A Tunísia não é só um país islâmico, é um país mediterrâneo, onde os pobres são fundamentalmente islâmicos – aspiram a um governo que, de alguma forma, se apoie nas leis de Islã – enquanto que a classe média e outros setores querem governos e constituições mais laicas. Na Tunísia, isso é mais forte e levou a uma composição das duas partes, embora sempre ameaçada.No Egito, infelizmente, o pensamento islâmico majoritário não estabeleceu acordos com a oposição.
OM: Qual foi a entrevista que o senhor mais gostou de fazer?
FM: Gostei muito de todos os presidentes. Não estou sendo diplomático. Por exemplo, o presidente José Eduardo dos Santos não dá uma entrevista longa há mais de dez anos e foi uma entrevista de uma hora, uma entrevista rica. A entrevista com o presidente [Jacob] Zuma [da África do Sul] também foi riquíssima. O presidente do Congo também não dava uma entrevista há uns cinco ou seis anos e foi muito interessante, de um país fundamental da África com muita conexão com o Brasil, um grande fornecedor de escravos na época da colônia. Mas também Nigéria, Gana, Etiópia foram muito interessantes.
As entrevistas como um conjunto mostram uma coisa: uma geração de líderes africanos, presidentes de seus países, que estão preparados para olhar em frente, em um momento crucial para a África.
Fonte: Jornal do Totonho
Nenhum comentário:
Postar um comentário