quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Poesia cabo-verdiana - Corsino Fortes


CORSINO FORTES


 Corsino António Fortes (São Vicente, 1933-2015) é um escritor e político 

cabo-verdiano. É licenciado em Direito, pela Universidade de Lisboa (1966). Integrou vários governos na república de Cabo Verde, país de que foi Embaixador em Portugal. Presidiu à Associação dos Escritores de Cabo Verde (2003/06). Autor de obras como Pão e Fonema (1974) ouÁrvore e Tambor (1986), a sua obra expressa uma nova consciência da realidade cabo-verdiana e uma nova leitura da tradição cultural daquele arquipélago.


Não há fonte que não beba da fronte deste homem 
                       I 
Nas rugas deste homem
Circulam
estradas de todos os pés que emigram
Quebram-se
vivas! as ondas de todas pátrias
Anulam-se
de perfil! as chinas de todas muralhas

Na mão bíblica
No humor bíblico deste homem
crepitam de joelhos
Desertos & catedrais
Onde
deus & demónio
jogam
                   noite e dia
             a sua última cartada
E do pó da ilha à mó de pedra
Não há relâmpago
Que não morda a nudez deste homem
Nudez de liberta!
Que a dor germina
E o espaço exulta
E pela ogiva
ogiva do olho
Não há poente
Que não seja
Uma oração de sapiência

Sobre a face deste homem
o povo ergueu a praça pública
E os tambores transportam
o rosto deste homem
Até à boca das ribeiras
E ao redor
os vulcões respeitam
o silêncio deste homem

                       I I

Não há chuva
Que não lamba o osso de tal homem
À porta da ilha
Diz o sal de toda a saliva
O sol ondula oceanos no sangue deste homem

Oh cereal altivo! vertical & probo
Ainda ontem
antes do meio-dia
O vento punha velas na viola deste homem
Hoje!
A viola
De tal dor é sumarenta
E projecta
sobre as almas
a seiva
De uma árvore imensa
Oh oceanos! que ladram à boca das tabernas
Se o sangue deste homem
é tambor no coração da ilha
O coração deste homem
é corda no violão do mundo
E os joelhos
rodas que vão! hélices que sobem
com ilhas no interior

                       I I I

Sombras sobre a colina Rosto sobre o povoado
Quando
pastor & gado jogam à cabra-cega
E chifres de sol
       projectam
cidadelas no ocidente
O poente galopa a maré-alta
       E ergue
"À taça da noite
Sobre as têmporas deste homem"

Oh noite verde! oh noite violada
Que a noite não apague
A memória das cicatrizes
E cicatrizes de ontem
       Sejam
Sementes de hoje
Para sementeira E floresta de amanhã

Fonte: http://www.antoniomiranda.com.br/

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