Na primeira cena, um rapaz tenta invadir um hospital de Brasília, alegando que precisa visitar a mãe, e é expulso pelos funcionários. Em seguida, ele vaga pela cidade; acaba acordando num cinema drive-in e perguntando pelo Almeida. Pouco depois, Almeida dá ao rapaz o quarto que era da projecionista, para revolta da moça.
Até então o espectador desconhece quais são as intrigantes relações que mantêm entre si esses personagens. Aliás, mesmo quando passar a conhecê-las não as dominará inteiramente, pois "O Último Cine Drive-in" foge inteiramente aos padrões esclerosados da narrativa comercial cinematográfica.
Cena do filme 'O Último Cine Drive-in'
Divulgação
Não foge por uma espécie de dandismo intelectual. A história, seus personagens, seu modo de contar estão intimamente ligados. Antes mesmo de perguntar quem são esses personagens, nos indagamos de onde eles vêm, tão tênues parecem os elos e as afinidades entre eles.
O filme prosseguirá assim: por um lado, a saúde da mãe piora; por outro, o cinema agoniza, vazio noite após noite; por fim, os conflitos entre Almeida e o rapaz irrompem mais claros.
Começamos aos poucos a saber o que se passa, mas de maneira sempre lacunar. Os silêncios são eloquentes. Os diálogos, desencontrados. Não por descuido do roteiro: nas conversas, não raro, quando alguém pergunta alguma coisa, o interlocutor responde outra.
Saberemos também quem são os protagonistas. O rapaz, por exemplo, chama-se Marlombrando. Ninguém tem um tal nome por acaso. É preciso que os pais tenham uma relação forte com cinema.
CINE PARADISO
Saberemos também que o filme tem dois temas conexos: a morte da mãe (presumível, pois está muito doente) e a morte do cinema (também presumível, pois o drive-in vive às moscas). Ou seja, a morte. Sim, é um tema do filme, e ninguém estranhará, aqui, certa proximidade com o tom nostálgico do italiano "Cinema Paradiso" (1988).
No entanto, o parafuso ainda tem algumas voltas a dar. Pois no outro polo está Paula, a projecionista: grávida.
Não se sabe de quem, aliás. Então, o filme joga na alternância da vida e da morte, na alegria da perpetuação (da espécie, mas também do cinema), na angústia da transitoriedade.
Mas também, além disso ou junto com isso, toda a produção converge para um instante, para a importância do instante capaz de eternizar o transitório.
É quando "O Último Cine Drive-in" consegue em definitivo comover o seu espectador sem em nenhum momento chantageá-lo.
A chegada de Iberê Carvalho ao longa-metragem, após curtas premiados como "Procura-se" e "Para Pedir Perdão", não só é um acontecimento a saudar.
É também uma demonstração de que o cinema brasileiro, depois de muito tatear, mostra aqui e ali (quer dizer, dispersos, diversos, ao contrário do que houve, digamos, no tempo do cinema novo) sinais de uma vitalidade e de uma capacidade de criar formas, de interpretar o mundo e seu momento por vezes mais que animadores.
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
CRÍTICO DA FOLHA
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