Rio de Janeiro, 13 de outubro de 2013
Excelentíssima Senhora MARTA SUPLICY
Ministra da Cultura, Governo Federal
Brasília, DF
Ref: Feira de Frankfurt e a política de promoção de igualdade na cultura
Senhora Ministra,
Quando da sua ascensão ao cargo de Ministra da Cultura, suas ações constituíram uma mudança significativa no modo de pensar a cultura em nosso país, o que deflagra como objetivo colocar a cidadania cultural no centro do fazer político. Citamos como exemplo, entre outros, o Programa Vale Cultura.
Seu empenho em dois importantes projetos, o mapeamento da cultura imaterial da diáspora africana e o lançamento de editais destinados ao apoio de produtores culturais negros, nos serviu de alento e indicou a verticalização da política de promoção de igualdade racial no Brasil.
Entretanto, o episódio da organização da representação brasileira na Feira do Livro em Frankfurt nos deixou estarrecidos.
Em uma delegação de setenta escritores, apenas um escritor negro e um indígena foram relacionados. O que demonstra que mesmo no Governo Democrático, há uma afirmação de que o Brasil que se quer mostrar em um evento internacional, como a presente Feira, deve ser branco.
Sra. Ministra, devido às observações da imprensa alemã a justificativa atribuída por Vossa Excelência e ao Presidente da Biblioteca Nacional alegava que os escritores negros não são publicados em língua estrangeira. Tal afirmação não se adequa a sua biografia comprometida com a causa da igualdade e o respeito à diversidade.
Afirmar a presença de “critérios técnicos", sem refletir que os mesmos são frutos de escolhas, é tentar se eximir da responsabilidade política de reproduzir uma prática centenária, que para afirmar a supremacia branca, de herança colonial, escravocrata e europeia, configura a produção indígena e negra como não existente, sem qualidade ou ainda de menos prestígio.
Mesmo que fossem válidos tais critérios técnicos, sua assessoria parece desconhecer a produção literária brasileira na língua de S. Freud. Entre elas, cito a antologia de poetas brasileiros negros, publicada em alemão sob o título Schwartze Poesie/Poesia Negra, organizada por Moema Parente Augel com tradução de Johannes Augel (Köln: Editions Diá, 1988, 178 p., ISBN 978-3905482386). Há resenha em português na revista Fragmentos, v. 4, n. 2, pp. 135-8.
Na referida antologia estão representados dezesseis escritores: Cuti, Oliveira Silveira, Adão Ventura, Oswaldo de Camargo, Éle Semog, José Carlos Limeira, Paulo Colina, Abelardo Rodrigues, Lourdes Teodoro, Miriam Alves, Geni Guimarães, Márcio Barbosa, Jônatas Conceição da Silva, José Alberto, Jamu Minka e Arnaldo Xavier. A obra estava esgotada três meses, logo após seu lançamento.
Outras antologias em alemão incluem 1) Zauber Gegen die Kälte, contos publicados pela Deutsche Welthungerhilfe; 2) a revista Rowohlt Literatur Magazin (número 38), possui uma coleção de poesia com contribuições de Miriam Alves; 3) o livro A cor da ternura, de Geni Guimarães, publicado em inglês em 2013, pela Africa World Press de Trenton, EUA; 4) uma antologia de prosa de autores negros brasileiros: Schwartze Prose; prosa negra-Afrobrasilianische Erzählungen der Gegenwart (1993), em que participa a poeta e romancista mineira Conceição Evaristo, igualmente esquecida. 5) Esta autora ainda participa de outras antologias em língua inglesa e tem seu romance Poncia Vicencio publicado em inglês (Host Publications, 2007, 145 p., ISBN 978-0924047343); 6) Antologias em inglês com contribuições de escritoras e escritores negros brasileiros incluem Moving Beyond Boundaries. International Dimension of Black Women Writing (1995); 7) Finally Us. Contemporary Black Brazilian Women Writers (1995); 8) Callaloo, vol. 18 number 4 (1995); 10) e Fourteen Female Voices From Brazil (Host Publications, 2002).
Senhora Ministra, relembramos que a invisibilização, tão bem tematizada pelo escritor negro norte-americano Ralph Ellison em seu romance O Homem Invisível (1954), é, sem dúvida alguma, uma das piores formas de opressão política porque recusa o reconhecimento público das falas dos descendentes de africanos e dos povos originários de nosso país, como uma produção viva sensível e conflituosa, espelho do Brasil que estamos transformando.
Em uma cultura discriminatória e eurocêntrica, as obras de autores negros têm, realmente, menos chance de serem publicadas em línguas estrangeiras. Sabemos que o governo brasileiro financia editoras estrangeiras para, em seus países, publicarem autores brasileiros como forma de divulgar a produção brasileira. Convocamos o Ministério da Cultura à disponibilizar meios e criar iniciativas para incentivar também a publicação de autores negros e indígenas em língua estrangeira.
A Editora da UFMG publicou, em quatro volumes, a antologia Literatura e Afrodescendência no Brasil: Antologia Crítica, organizado por Eduardo Assis Duarte (2011), professor da Universidade Federal de Minas Gerais. Os 101 autores ali reunidos poderiam constituir uma primeira referência para construir parcerias com editoras de grande porte e órgãos públicos de outros países, com o objetivo de difundir a produção literária afro-brasileira mundo afora, com atenção para o continente e a diáspora africanos. Para tanto, faz-se necessário um encontro presencial entre Vossa Excelência, o Presidente da Biblioteca Nacional e os protagonistas dessa literatura, mediante audiência pública ou reservada, para junto com eles alinhavar as diretrizes dessas políticas ou iniciativas.
Como lembram nossos irmãos africanos, “não devemos esquecer as lições aprendidas na dor.” É um triste episódio, mas que podemos aproveitar a oportunidade para fazer dele um ponto de virada na compreensão de toda a sua equipe de gestão do Ministério da Cultura, da importância de radicalizar as políticas de ação afirmativa de modo a promover a cidadania cultural, o respeito à diversidade e o fomento da produção cultural negra e indígena. Afinal, “país rico, é país sem miséria e com igualdade”.
Na certeza de que o conteúdo desta carta merece um posicionamento do seu Ministério, aguardamos sua resposta.
Associação Brasileira de Pesquisadores Negros - ABPN
Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros - IPEAFRO
União de Negros pela Igualdade - UNEGRO
AMMA - Psique e Negritude
cc:
Presidente da Fundação Cultural Palmares
Presidente da Fundação Biblioteca Nacional
Excelentíssima Senhora MARTA SUPLICY
Ministra da Cultura, Governo Federal
Brasília, DF
Ref: Feira de Frankfurt e a política de promoção de igualdade na cultura
Senhora Ministra,
Quando da sua ascensão ao cargo de Ministra da Cultura, suas ações constituíram uma mudança significativa no modo de pensar a cultura em nosso país, o que deflagra como objetivo colocar a cidadania cultural no centro do fazer político. Citamos como exemplo, entre outros, o Programa Vale Cultura.
Seu empenho em dois importantes projetos, o mapeamento da cultura imaterial da diáspora africana e o lançamento de editais destinados ao apoio de produtores culturais negros, nos serviu de alento e indicou a verticalização da política de promoção de igualdade racial no Brasil.
Entretanto, o episódio da organização da representação brasileira na Feira do Livro em Frankfurt nos deixou estarrecidos.
Em uma delegação de setenta escritores, apenas um escritor negro e um indígena foram relacionados. O que demonstra que mesmo no Governo Democrático, há uma afirmação de que o Brasil que se quer mostrar em um evento internacional, como a presente Feira, deve ser branco.
Sra. Ministra, devido às observações da imprensa alemã a justificativa atribuída por Vossa Excelência e ao Presidente da Biblioteca Nacional alegava que os escritores negros não são publicados em língua estrangeira. Tal afirmação não se adequa a sua biografia comprometida com a causa da igualdade e o respeito à diversidade.
Afirmar a presença de “critérios técnicos", sem refletir que os mesmos são frutos de escolhas, é tentar se eximir da responsabilidade política de reproduzir uma prática centenária, que para afirmar a supremacia branca, de herança colonial, escravocrata e europeia, configura a produção indígena e negra como não existente, sem qualidade ou ainda de menos prestígio.
Mesmo que fossem válidos tais critérios técnicos, sua assessoria parece desconhecer a produção literária brasileira na língua de S. Freud. Entre elas, cito a antologia de poetas brasileiros negros, publicada em alemão sob o título Schwartze Poesie/Poesia Negra, organizada por Moema Parente Augel com tradução de Johannes Augel (Köln: Editions Diá, 1988, 178 p., ISBN 978-3905482386). Há resenha em português na revista Fragmentos, v. 4, n. 2, pp. 135-8.
Na referida antologia estão representados dezesseis escritores: Cuti, Oliveira Silveira, Adão Ventura, Oswaldo de Camargo, Éle Semog, José Carlos Limeira, Paulo Colina, Abelardo Rodrigues, Lourdes Teodoro, Miriam Alves, Geni Guimarães, Márcio Barbosa, Jônatas Conceição da Silva, José Alberto, Jamu Minka e Arnaldo Xavier. A obra estava esgotada três meses, logo após seu lançamento.
Outras antologias em alemão incluem 1) Zauber Gegen die Kälte, contos publicados pela Deutsche Welthungerhilfe; 2) a revista Rowohlt Literatur Magazin (número 38), possui uma coleção de poesia com contribuições de Miriam Alves; 3) o livro A cor da ternura, de Geni Guimarães, publicado em inglês em 2013, pela Africa World Press de Trenton, EUA; 4) uma antologia de prosa de autores negros brasileiros: Schwartze Prose; prosa negra-Afrobrasilianische Erzählungen der Gegenwart (1993), em que participa a poeta e romancista mineira Conceição Evaristo, igualmente esquecida. 5) Esta autora ainda participa de outras antologias em língua inglesa e tem seu romance Poncia Vicencio publicado em inglês (Host Publications, 2007, 145 p., ISBN 978-0924047343); 6) Antologias em inglês com contribuições de escritoras e escritores negros brasileiros incluem Moving Beyond Boundaries. International Dimension of Black Women Writing (1995); 7) Finally Us. Contemporary Black Brazilian Women Writers (1995); 8) Callaloo, vol. 18 number 4 (1995); 10) e Fourteen Female Voices From Brazil (Host Publications, 2002).
Senhora Ministra, relembramos que a invisibilização, tão bem tematizada pelo escritor negro norte-americano Ralph Ellison em seu romance O Homem Invisível (1954), é, sem dúvida alguma, uma das piores formas de opressão política porque recusa o reconhecimento público das falas dos descendentes de africanos e dos povos originários de nosso país, como uma produção viva sensível e conflituosa, espelho do Brasil que estamos transformando.
Em uma cultura discriminatória e eurocêntrica, as obras de autores negros têm, realmente, menos chance de serem publicadas em línguas estrangeiras. Sabemos que o governo brasileiro financia editoras estrangeiras para, em seus países, publicarem autores brasileiros como forma de divulgar a produção brasileira. Convocamos o Ministério da Cultura à disponibilizar meios e criar iniciativas para incentivar também a publicação de autores negros e indígenas em língua estrangeira.
A Editora da UFMG publicou, em quatro volumes, a antologia Literatura e Afrodescendência no Brasil: Antologia Crítica, organizado por Eduardo Assis Duarte (2011), professor da Universidade Federal de Minas Gerais. Os 101 autores ali reunidos poderiam constituir uma primeira referência para construir parcerias com editoras de grande porte e órgãos públicos de outros países, com o objetivo de difundir a produção literária afro-brasileira mundo afora, com atenção para o continente e a diáspora africanos. Para tanto, faz-se necessário um encontro presencial entre Vossa Excelência, o Presidente da Biblioteca Nacional e os protagonistas dessa literatura, mediante audiência pública ou reservada, para junto com eles alinhavar as diretrizes dessas políticas ou iniciativas.
Como lembram nossos irmãos africanos, “não devemos esquecer as lições aprendidas na dor.” É um triste episódio, mas que podemos aproveitar a oportunidade para fazer dele um ponto de virada na compreensão de toda a sua equipe de gestão do Ministério da Cultura, da importância de radicalizar as políticas de ação afirmativa de modo a promover a cidadania cultural, o respeito à diversidade e o fomento da produção cultural negra e indígena. Afinal, “país rico, é país sem miséria e com igualdade”.
Na certeza de que o conteúdo desta carta merece um posicionamento do seu Ministério, aguardamos sua resposta.
Associação Brasileira de Pesquisadores Negros - ABPN
Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros - IPEAFRO
União de Negros pela Igualdade - UNEGRO
AMMA - Psique e Negritude
cc:
Presidente da Fundação Cultural Palmares
Presidente da Fundação Biblioteca Nacional
Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB)
Rede Nacional Lai Lai Apejo - Saúde da População Negra e Aids
Rede Nacional Lai Lai Apejo - Saúde da População Negra e Aids
Allan da Rosa (www.edicoestoro.net)
Maurício Pestana (Revista Raça Brasil)
Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade do Estado de Santa Catarina (NEAB-UDESC)
Maria Lúcia Rodrigues Muller - NEPRE (Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Relações Raciais e Educação)/UFMT
Criola
Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras
Rede Nacional de Religiões Afro Brasileiras e Saúde
Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras
Rede Nacional de Religiões Afro Brasileiras e Saúde
Educafro
Fonte: ABPN
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