Harry Belafonte receives the Jean Hersholt Humanitarian Award at the 2014 Governors Awards
Traduzido por Marcos Manhães Marinho
"A América percorreu um longo caminho desde que Hollywood em 1915 deu ao mundo o filme "Nascimento de uma Nação". Por qualquer medida, esta obra cinematográfica foi considerada o maior filme já feito. O poder das imagens em movimento para produzir impacto sobre o comportamento humano nunca foi mais fortemente evidenciado do que quando, após o lançamento do filme, os cidadãos americanos entraram numa fúria assassina. Raças foram jogadas umas contra as outras. Fogo e violência eclodiram. Tacos de beisebol e cassetetes feriram cabeças. O sangue corria nas ruas de nossas cidades, e vidas foram perdidas.
O filme também ganhou a distinção de ser o primeiro filme que já foi exibido na Casa Branca. O então presidente Woodrow Wilson elogiou abertamente o filme, e o poder desta unção presidencial validou a brutalidade do filme e sua visão grosseiramente distorcida da história. Isso, também, inflamou ainda mais a divisão racial da nação.
Em 1935, com 8 anos de idade, sentado em um cinema do Harlem, eu assistia com admiração e maravilha às incríveis façanhas do super-herói branco: Tarzan dos Macacos. Tarzan era um espetáculo para se ver. Este Adonis de porcelana, este libertador branco, que não falava língua alguma, balançando de árvore em árvore, salvando a África da tragédia da destruição por uma população indígena preta de ineptos, ignorantes, uma população desprovida de qualquer habilidade, regida por antigas superstições, sem coração para a caridade cristã.
Através deste filme, o vírus da inferioridade racial, de nunca querer ser identificado com qualquer coisa Africana, foi varrido para dentro da psique de seus observadores juvenis. E pelos anos que se seguiram, Hollywood trouxe muitas oportunidades para as crianças negras em suas salas do Harlem para saudar Tarzan e vaiar africanos.
Os nativos americanos, nossos irmãos e irmãs indígenas, não se saíram melhor. E no momento, os árabes não são olhados tão bem.
Mas esses encontros colocaram outras coisas em movimento. Aquilo foi um estímulo precoce para o início da minha rebelião pessoal, uma revolta contra a injustiça e a distorção humana e o ódio. Que sorte para mim que as artes do espetáculo tornaram-se o catalisador que alimentou meu desejo de mudança social. Em sua busca, deparei-me com outros artistas, como o grande ator e meu herói, cantor e humanista Paul Robeson, o pintor Charles White, a dançarina Katherine Dunham, *A* mente superior acadêmica do historiador Dr. W.E.B. Du Bois, a estrategista social e educadora Eleanor Roosevelt, os escritores Langston Hughes e Maya Angelou e James Baldwin. Todos eles me inspiraram. Eles me animaram. Profundamente me influenciaram. E eles também foram minha bússola moral.
Foi Robeson quem disse, como você ouviu no filme anterior, "Os artistas são os guardiões da verdade. Eles são a voz radical da civilização." Este ambiente Robeson soou como um lugar desejado para estar. E dada a oportunidade de morar lá, nunca me decepcionou.
Para o meu gosto de ativismo e compromisso com a mudança social, a oposição tem sido ferozmente punitiva. Alguns que já controlaram instituições de cultura e comentários têm, por vezes, usado seu poder para não só distorcer a verdade, mas para punir os que buscam a verdade. Com intervenções como o Macartismo e a lista negra, Hollywood, também, infelizmente, tem desempenhado o seu papel nestes cenários trágicos. E de vez em quando, eu tenho sido um de seus alvos.
No entanto, a partir do ambiente cultural que nos deu todo esse drama social e todos os filmes - Nascimento de uma Nação, Tarzan dos Macacos, A Canção do Sul, para citar apenas alguns - a colheita cultural de hoje produz um fruto mais doce: Acorrentados, A Lista de Schindler, O Segredo de Brokeback Mountain, 12 Anos de Escravidão, e muitos mais. E tudo isso acontecendo no alvorecer de criações tecnológicas que nos dariam artistas, áreas ilimitadas de possibilidades para nos trazer uma percepção mais profunda da existência humana.
Que sorte a minha de ter vivido tempo suficiente para a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas ter escolhido depositar esta honra sobre mim. Hoje à noite não é um encontro casual para mim. Junto com o troféu de honra, há uma outra camada que dá a esta viagem esta espécie de maravilhoso final hollywoodiano. Para ser recompensado pelos meus pares por meu trabalho a favor dos direitos humanos e pelos direitos civis e pela paz - bem, deixe-me colocar desta forma: Isto poderosamente silencia o trovão do inimigo.
Aproximando-me dos 88 anos de idade, quão verdadeiramente poético é eu alegremente brilhar com meus colegas homenageados, devemos ter em nosso meio como um dos nossos celebradores um homem que tanto fez em sua própria vida para redirecionar o navio de ódio racial e cultura americana. Seus esforços fizeram a viagem um pouco mais fácil. Senhoras e senhores, eu me refiro ao meu amigo - meu amigo idoso - Sidney Poitier.
Agradeço à Academia e seu Conselho de Governadores por esta honra, por este reconhecimento. Eu realmente desejo que eu pudesse estar por perto para o resto deste século para ver o que Hollywood fará com o resto do século. Talvez, apenas talvez, eu pudesse ser aquele que mudará o jogo da civilização. Afinal, Paul Robeson disse: "Os artistas são a voz radical da civilização." Todos e cada um de vocês nesta sala, com seus dons e seu poder e suas habilidades, talvez pudessem mudar a maneira com que nossa humanidade global desconfia de si própria. Talvez nós, como artistas e como visionários, para o que há de melhor no coração do homem e da alma humana, pudéssemos influenciar os cidadãos em todo o mundo para verem o melhor lado de quem e o que nós somos como uma só espécie.
Agradeço a todos e a cada um de vocês por esta honra, e aos meus colegas homenageados, eu não poderia ter tido melhor companhia do que ter compartilhado esta noite com cada um de vocês. Muito obrigado."
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