Nascido na cidade paranaense de Telêmaco Borba, a 249 quilômetros de Curitiba, Nelson Maca, 47, teve um encontro com as ideias do movimento negro aos 13 anos. Com 22, migrou para Salvador em busca de uma Bahia preta e para estudar letras na Ufba. Hoje, professor de literatura da Ucsal, tem um trabalho influenciado por artistas que vão desde rappers, como Mano Brown e Thaíde, até escritores, como Lima Barreto e Richard Wright. Da filosofia, bebe na fonte do existencialismo de Jean-Paul Sartre e do pós-colonialismo de Franz Fanon. Mas não é na academia que ele se realiza como pessoa, e sim no ativismo social. "Não sou aquele professor que entrou de cabeça na universidade. Sou professor da universidade tanto quanto sou da rua". Integrante do grupo político-artístico Coletivo Blackitude, criado há 14 anos, ele agita a consciência negra de Salvador todas as quartas-feiras, no Sarau Bem Black, no Sankofa African Bar, Pelourinho. Nos últimos quatro anos, o sarau já recebeu nomes da literatura, como Cuti, pseudônimo de Luiz Silva, e Conceição Evaristo, e da música, como Ellen Oléria e os rappers GOG e MC Marechal. Maca conversou com a Muito sobre racismo, literatura e ativismo social.
Negros, e ainda mais negras, continuam sendo discriminados em Salvador?
Salvador é um paradoxo. Entre nós, negros sulistas, há um desejo muito grande de conhecer Salvador, que soa assim como um paraíso da negritude. Mas, ao mesmo tempo, a gente começa a entrar nos problemas. Todo mundo fica dizendo que Salvador é a maior cidade negra fora da África, mas a negritude é tratada como se não tivesse representação. Quando se fala em qualquer mazela social, a população negra é a principal agredida. Falar em pobre e negro nesse sentido é quase a mesma coisa. Com relação à mulher, não é diferente, porque a gente sabe que, na escala social, elas são subjugadas e violentadas, inclusive pelos homens negros.
Quando deixa de ser um preconceito social e torna-se um preconceito racial?
Em países onde se resolveram questões sociais profundas não se resolveu o racismo. Então a questão racial não tem a mesma raiz do problema social. Por acaso, os dois me atingem. Se eu fosse mulher, três. Se eu fosse mulher e deficiente, quatro. Se eu fosse mulher, deficiente e lésbica, cinco. Resolver o problema social não resolve o racismo. Pelé foi rejeitado como sócio do Iate Clube do Rio de Janeiro. Chico Buarque já deu entrevista falando que os filhos do Carlinhos Brown eram de certa forma discriminados em um prédio chique no Rio. A questão racial não vai ser resolvida com dinheiro, roupas, carros. É uma marca de pele que não pode ser disfarçada com joias ou uma geladeira cheia.
Você ainda se considera vítima de preconceito? Como lida com isso?
O tempo todo. Só que aprendi a criar resistências, tem hora que avanço, outras recuo. Outro dia fui ver uma exposição no Museu de Arte da Bahia sobre brinquedos que tinha uma nega maluca de mão dada com o que para eles é o diabo, mas a representação que estava lá era do Exu. Estava no lugar chamado "Casa dos Horrores". Ou seja, uma negra junto com o vampiro, lobisomem, pelo fato de ser negra com o cabelo de bombril. Estavam desrespeitando as mulheres negras e, ao mesmo tempo, a religião. Eu fui lá, escrevi um texto e publiquei na internet.
O quanto seria importante apresentar narrativas em que a negritude fosse valorizada e não subjugada?
A literatura não é só papel. Passa pela recuperação da oralidade. Essa performance é importante. Quando eu começo a falar que tem uma estética que precisa ser encontrada, aí já começou a entrar um outro elemento, não só da fruição, do gozo, mas da constituição do que a gente chama da subjetividade. Então o batuque me constitui também tal qual uma frase como "Zumbi é herói". Quer queira, quer não, a cultura nos ensina a diferenciar "ah é isso aqui e não isso". A literatura tem um papel fundamental na constituição da subjetividade do sujeito. E é este sujeito que vai interferir na sociedade. Como a gente fala, um poema pode incitar uma revolução.
Fonte: A Tarde
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