Marcelo Paixão
Coordenador do Laboratório de Análises Econômicas,
Históricas, Sociais e Estatísticas das Relações Raciais (Laeser) da UFRJ, o professor Marcelo Paixão explica a importância de Nelson Mandela, ex-presidente da África do Sul.
Após dois meses internado em decorrência de uma
infecção pulmonar, “Madiba”, como é carinhosamente chamado, comove o mundo com sua luta pela vida, aos 95 anos. Mandela foi o mais poderoso símbolo de resistência contra o regime segregacionista do “Apartheid”, oficializado em 1948 naquele país.
Durante sua militância no partido CNA
(Congresso Nacional Africano), mostrou-se um ferrenho opositor das injustiças cometidas pelos governos contra a maioria negra, o que o levou a ficar 27 anos encarcerado. Libertado em 1990, recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 1993 e tornou-se o primeiro presidente negro da África do Sul no ano seguinte.
Relendo a história de Nelson Mandela, realmente não há
como deixar de se lhe atribuir o reconhecimento de heroísmo, e isto malgrado a famosa frase de (Berthold) Brecht (1898-1956): “Infeliz do povo que precisa de heróis”.
Quando chegou ao poder, em 1994, o Congresso Nacional
Africano (CNA) abriu mão de grande parte do conteúdo de seu programa anterior. Foi um cálculo político possivelmente baseado no contexto no qual a transição ocorreu (fim da Guerra Fria e o risco do isolamento internacional, caso uma opção mais radical viesse a ocorrer), como, talvez, igualmente, visando gerar um quadro de consenso mínimo para que aquele país pudesse evitar uma Guerra Civil. Porém, diversos problemas legados pelo período do Apartheid se mantiveram desde então: a concentração da terra, da água e dos recursos econômicos, a pobreza e os dramas sociais da maioria da população negra sul-africana, especialmente os elevados índices de violência (e da violência contra as mulheres) e a AIDS.
A vida de Mandela deve ser razão de orgulho aos vitimados
pela intolerância, dos mais diferentes modos (racial, étnico, de gênero, nacionalidade, religiosa, opção sexual) em todo o mundo. Como tal, creio ser razoável dizer que seu nome pertence a todos os seres humanos de bem. É um patrimônio comum da humanidade a vida, obra e ideias, dos que lutaram e lutam pela liberdade. Como poderia ser definida a atual conjuntura dos debates raciais no Brasil?
De um lado, é nítido que ocorreram avanços, tendo em
vista que este assunto, ainda há cerca de 15 anos, era um completo tabu, cercado de verdades nunca ditas ou reveladas. Hoje debate-se mais abertamente o tema dos efeitos do racismo, tal qual praticado no Brasil, sobre o desenho de nossa estrutura social. Isto permitiu a geração das primeiras políticas na história republicana brasileira visando mitigar um cenário de crônicas desvantagens dos afrodescendentes, e de forma mais distante, dos povos indígenas, especialmente no que tange ao acesso à universidade e algumas medidas que incidiram sobre os materiais didáticos e currículos nas escolas do ensino básico.
Porém, mesmo estes avanços foram pequenos diante do
enorme passivo a ser superado. As desigualdades de rendimentos de cor ou raça no Brasil ainda seguem grandes (cerca de 75% a mais para os que se declaram brancos e amarelos), isso além de outros tantos problemas que colhem os negros como maiores prejudicados, tais como a baixa qualidade das escolas, a progressiva degradação do SUS e a violência policial, hoje sintetizada na pergunta que vem movendo milhares de pessoas pelo Brasil e pelo mundo: “Onde se encontra o Amarildo?”,pedreiro pobre e negro que era residente na Rocinha.
Portanto, posso reconhecer que alguns avanços ocorreram,
mas estes são sempre ameaçados de serem revertidos, seja por conta de alguma eventual futura crise econômica ou política, seja pela presença de concepções conservadoras que ainda seguem fortes no interior de nossa sociedade.
Fonte: Adufrj
Darlan de Azevedo. Estagiário e Redação
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