Cinco meses após receber críticas de ativistas antirracistas e de, por essa razão, ter sido subtraída de uma programação do Itaú Cultural, a peça "A Mulher do Trem" está de volta, com nova maquiagem.
Na segunda (28), será exibida em programação da biblioteca Mário de Andrade e não terá mais o elemento cênico que motivou a revolta do movimento negro, por ele cunhado de "blackface".
Para caracterizar um criado negro, a peça, um vaudeville resgatado da tradição circense brasileira pela companhia Os Fofos Encenam, usava tinta: os rostos de dois atores eram pintados de preto. Ativistas antirracistas dos EUA, da África, da Europa e do Brasil defendem que a fórmula reforça o preconceito sofrido por negros.
Após o cancelamento da sessão da peça em maio, o Itaú Cultural realizou um debate sobre o conflito, reunindo artistas e ativistas. Os Fofos decidiram então abdicar da composição original –a nova versão será exibida sem a pintura usada pela peça há cerca de dez anos (o figurino da montagem ganhou o Prêmio Shell em 2003).
Foto divulgação
Carlos Ataíde e Marcelo Andrade com maquiagem preta da versão original do espetáculo |
Segundo Kátia Daher, atriz da companhia, a decisão foi tomada porque o grupo não pretendia abordar "questões de relevância social".
"A dramaturgia é escrita para o entretenimento; se remete a um símbolo de luta, ou a um símbolo contra o qual lutam, ela se torna representativa de algo que não serve ao jogo que caracteriza esse trabalho", analisa. Tal jogo, ela explica, deriva de situações cômicas leves e sem peso, com abordagens superficiais.
A nova versão não se restringe a subtrair a maquiagem negra. Daher explica que todos os personagens passaram por uma revisão conceitual. "Teremos um personagem de cada cor, agora, caracterizando a tipologia tradicional do circo-teatro: o tipo cômico será dourado; o ingênuo será rosa", conta.
Na atual montagem, os dois criados que eram pintados de negro ganharão as cores azul e verde.
Daher afirma que o grupo não se sente censurado com a mudança. Diz que seus integrantes compreenderam que ativistas têm motivo para reivindicá-la.
O dramaturgo e diretor Aimar Labaki, que esteve na mesa que discutiu o conflito no Itaú Cultural em maio, considera o episódio "um equívoco do ponto de vista de um debate público adulto e democrático". Para ele, o grupo deveria ter mantido a apresentação no Itaú Cultural naquele mês e debatido a questão, para depois pensar em mudar de ideia.
"Cancelar a sessão e depois apresentar a peça alterada, sem permitir que os que os a acusavam de racismo assistissem à montagem como ela era, significa aceitar censura prévia", desfere.
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