Lília Momplé (foto-montagem retirada da revista cronópios-Brasil) |
Ida dos remotos tempos da dominação colonial portuguesa nas terras moçambicanas e voltada dos horizontes do mundo fora, a escritora moçambicana Lília Momplé, encontrou-se com amantes da literatura para falar de si, da sua obra e do protagonismo em que expende a sua escrita nos leitores. Lília Momplé fora voz do nacionalismo, mas hoje, aos 76 anos de vida, é a palavra que se exalta na nova consciência e inspira as novas gerações. Mas não abandonou o seu nacionalismo literário. Na conversa promovida pelo Movimento Literário Kuphaluxa, na última quarta-feira em Maputo, a escritora brincou com as palavras e educou os literatos novatos, afinal de contas Lília, fora também professora.
De nome completo Lília Maria Clara Carriére Momplé, natural da Ilha de Moçambique, esta mulher que escreve o que lhe vai na alma, inspira os jovens e, nas suas obras, revela os mistérios da sua força nacionalista e pela justiça social. Há quem diga que cada escrito da Lília Momplé, é uma denúncia, mas a escritora prefere dizer que é um momento de desabafo, revelação, confidências e só o faz quando não aguenta mais se calar.
Há uma necessitada de se fazer valer a literatura oral. Esta forma literária é riquíssima e corre o risco de se esquecer. Com a literatura, há oportunidade de se criar riqueza. A literatura é a base para o conhecimento e criação, e num país onde há criação, já sabemos que se pode alcançar o desenvolvimento.
Em seguida o teor da sua conversa com jovens em um breve resumo:
Como é que surge a vontade de escrever?
Lília Momplé - Quanto ao ser escritora, sempre sobe que um dia ia escrever, só não sabia quando. O gosto pela literatura herdei da minha avó. Ela era Macua e habitualmente contava-nos estórias lindas da tradição em volta da fogueira. Nesse momento eu dia para mim, «um dia vou escrever estas estórias».
E ouve um outro acontecimento que significou muito para mim: aos 13 anos, estudei no Liceu Luís Salazar, uma escola que era apenas para brancos e pessoas com as melhores condições. Eu era a única negra e minha mãe teve que fazer muito sacrifício para que eu estudasse lá. Ela passava noites a costurar para poder pagar a minha escola, foi uma fase muito difícil. Foi mesmo um acto heróico estudar lá.
Tive um professor de que o nome não posso me esquecer: o seu nome é Rodrigues Pinto, era professor de língua portuguesa. Mandou-nos fazer uma redacção sobre o último de dia de férias.
Feita a redacção e chegada a hora de entrega dos trabalhos depois de avaliadas, ele foi chamando cada aluno para buscar o seu trabalho e o meu foi último. Confesso que fiquei com medo quando não chamaram-me. Quando terminou a entrega aos outros ele disse chamou-me e disse que o meu trabalho foi magnífico. E dali, ele passou a ler a redacção em, toda escola. Fiquei muito orgulhosa. Toda escola apontava no pátio por ter feito o melhor trabalho. Isso marcou-me muito e cada vez mais acreditava que um dia ia escrever.
E porque escreve?
L. M. - Escrevo porque me sinto honrada! Escrevo pelo desejo de contar e de descarregar os meus segredos.
E o primeiro livro… “Ninguém Matou Suhura”, como é que surge?
L. M. - Escrevi o primeiro livro porque tinha uma carga muito grande sobre o colonialismo em Moçambique. Eu tinha raiva do colonialismo. Muita raiva. Tinha a raiva da injustiça. Eu nunca me conformava por tudo que via: massacres sofrimento, opressão isso incomodava-me.
Mesmo quando casei-me, embora com um branco, ele porque também não suportava ver a injustiça disse que tínhamos que sair do país. Foi assim que acabei vivendo no Brasil por muito tempo.
Escrevi o Ninguém Matou Suhura porque eu queria conversar com alguém sobre o que vi e vivi durante aquele tempo. Tinha que me revelar.
As outras obras «Os olhos da Cobra Verde» e um Romance, intitulado «Neighbours» não fogem muito do quem caracterizou a primeira…
L. M. - O segundo livro também se baseou em factos reais. Da morte de uma amiga que era muito boa gente. Ela tinha muita vida, se não mesmo ela era a própria vida. Isso foi muito doloroso e marcou-me. Eu tinha que escrever. O terceiro também foi mais uma revelação.
Vivemos uma sociedade de negócios o “Busness Society”, onde o que vale é o medíocre e não desenvolvimento. Tem em vista mais uma obra?
L. M. - Estou a preparar mais um livro, talvez seja o último. Ele vai retrar o que chamo de “Busniss Society” (sociedade de negócios). O título poderá ser “Fantoches de Aços”.
Nesta obra vai sair muitas verdades. É mais uma revelação de algo que me vai na alma, sobre os dias que vivemos. Onde as pessoas são insensíveis pelos negócios. Tudo eles fazem pelo dinheiro. Pobres que sofrem e só discursos políticos vazios. Só para fazer negócios. É o Busness Society a que me refiro. Essa sociedade não é a verdadeira moçambicanidade, isso nos tira a identidade e aconselho-vos a sair dela. São Fantoches porque são; e são de Aço porque não tem piedade. No Busness Society o que vale é o medíocre e não o desenvolvimento.
Como é que se define Lília Momplé?
L. M. - Essa é uma pergunta muito difícil. Acho que não sei me definir, mas vou tentar. Penso que sou uma pessoa coerente, que, por exemplo, não se pode adaptar ao Busness Society. Porque não suporto injustiça. Sou coerente.
A caminho dos 80 e com percursos brilhantes na sua vida literária, pensa ainda em fazer alguma coisa na literatura, para além do livro que vai lançar em breve?
L. M. - Essa também é muito difícil de responder. Engraçado que nunca pensei nisso. Sinceramente que não. Mas é assim… Não escrevo porque quer fazer alguma coisa na literatura, aliás eu nunca quis fazer nada na literatura. Quando não tenho nada para dizer não escrevo. Então não quero fazer nada na literatura, por isso não falta nada para fazer. Eu escrevo porque tenho que escrever.
Qual é o segredo que quer deixar para uma nova geração de escritores?
L. M. - Que amem a literatura antes de querer ser escritor, porque só assim poderão ser os verdadeiros escritores. Eu não acredito em quem quer ser escritor, pois escrever tem que ser por força de alguma coisa. Uma emoção forte. Você é um enviado especial de algum sentimento. Mas se os jovens amarem a literatura, farão algo por ela e nessa convivência, podem ser escritores e bons escritores. Que sinceramente o nosso Moçambique precisa.
Tem mais alguma coisa a dizer?
L. M. - Quero agradecer a oportunidade que o vosso movimento (Movimento Literário Kuphaluxa) me deu de estar aqui em conversa com os jovens e devo dizer que vos admiro. Realmente vocês são amantes da literatura e esta conversa que aqui tivemos é muito significativa para mim. Já passei por mais de 20 países para falar da literatura de mim e das minhas obras, mas a emoção que estar a falar com os verdadeiros mensageiros da literatura e que são jovens muito novos do meu país, que mostram o verdadeiro interesse pelas artes, isso me deixa muito feliz. Obrigado Kuphaluxa.
E mais… se querem realmente crescer nesta área, leiam. Leiam muito. Assim o podem ser de facto uma nova geração de escritores e eu tenho fé, que daqui a mais quatro anos ou menos. Um de vocês vai aparecer no sucesso e lembrar-se das minhas palavras.
Continuem assim. Convidem mais escritores para estes encontros, que não seja apenas a Lília Momplé, os jovens precisam destes momentos e eu sempre estarei ao vosso dispor, para qualquer momento destes e outros.
* * *
Breve biografia
Lília Maria Clara Carriére Momplé, nascida a 19 de Março de 1935 na Ilha de Moçambique, província de Nampula, a norte de Moçambique, é Assistente Social de profissão, com licenciatura em Serviços Sociais.
Lília Momplé, foi professora de Inglês e Língua Portuguesa na Escola Secundária de Ilha de Moçambique e directora da mesma escola entre 1970 e 1981.
Trabalhou como assistente social em Lisboa, Lourenço Marques (actual cidade de Maputo) e em São Paulo, Brasil, em 1960 a 1970.
Em outras missões, Lília Momplé foi, de 1992 a 1998, directora do Fundo para o Desenvolvimento Artístico e Cultural de Moçambique (FUNDAC) e de 2001 a 2005, membro do Conselho Executivo da UNESCO (Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura.
No seu percurso literário, dirigiu a Associação dos Escritores Moçambicanos (AEMO) de 1991 a 2001, como secretária geral, de seguida ficou presidente da Mesa da Assembleia-geral da mesma agremiação.
O seu primeiro livro veio ao público em 1988, editado pela AEMO, com o título «Ninguém Matou Suhura», uma colectânea de Contos; «Neighbours» romance publicado em 1995 e «Os Olhos da Cobra Verde» obra de contos publicada em 1997, também sob a chancela da AEMO.
Ainda na arte, a escritora publicou o «Muhipiti-Alima» um vídeo de drama, editado pela PROMARTE em 1997.
As obras da Lília Momplé, já foram editadas em Inglês, Italiano, Francês e Alemão.
Neste momento, a escritora faz parte do «Internacional Who´s Who of Authores and Writeres» e desde 1997 é membro de «Honorary Fellow in Literature» da universidade IOWA dos Estados Unidos da América (EUA).
Prémios
Em termos de prémios, Lília Momplé, conquistou o primeiro prémio do concurso literário comemorativo da cidade Maputo, intitulado Prémio 10 de Novembro com o conto «Caniço» em 1987.
Melhor vídeo-drama moçambicano em 1998, com o vídeo «Muhipiti-Alima».
Foi nomeada o Caine Prize for Africaan Writing, edição de 2001. fez parte dos cinco nomeados entre 120 escritores de 28 países.
NOTA: Este foi o resumo da conversa que jovens amantes da literatura tiveram com a escritora Lília Momplé, na galeria do Centro Cultural Brasil – Moçambique em Maputo e não se trata de uma entrevista conduzida por uma pessoa.
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