domingo, 22 de fevereiro de 2015

Especial Haiti: Africanos e haitianos retratam semelhanças e diferenças

Africanos dizem que se sentem bem no Haiti, a não ser pela dificuldade de falar
o crioulo, a língua local. Haitianos sentem proximidade cultural mas revelam
haver distância.


Meninos haitianos. Foto: Minustah.
Eleutério Guevane, da Rádio ONU em Nova Iorque.*

" Eu disse: ai, meu Deus, este é um país africano que Deus esqueceu no
continente americano e não teve tempo de puxar. Aquilo é mesmo África
 não tem nada de América.".
A opinião é da angolana Adelaide Costa Ferraz, que falou à Rádio ONU,
 um ano após o terremoto do Haiti, quando arrecadava donativos para as
vítimas do sismo. Hoje, quatro anos depois, nós fomos para as ruas de Porto Príncipe
 para conferir as semelhanças entre a ilha caribenha e as raízes africanas,
que um dia ajudaram a lançar as bases do primeiro país a se tornar independente
nas Américas.
Pelo Haiti, o País de Ancestrais o hino nacional cantam estas crianças de um
 centro comunitário de Porto Príncipe.

Independência
Em 1804, o Haiti declarou sua independência da França, ficando conhecido
 como a primeira nação negra a se tornar independente no mundo. A rebelião
contra ingleses, espanhóis e franceses foi liderada por Toussaint L’Ouverture,
que nasceu escravo do Benim.
Os primeiros trabalhadores levados à força da África chegaram ao que é hoje o
 Haiti em 1502. Entre os lugares de origem estão Congo, Benim, Nigéria, Senegal,
Guiné Conacri, Serra Leoa, Gana, África do Sul e Madagáscar.
Os laços históricos e culturais entre Haiti e África fazem do país uma espécie de
referência para muitos africanos na África e na diáspora quando se fala do triunfo
 sobre a escravidão.
País-membro fundador das Nações Unidas, o Haiti, segundo a União Africana,
também teria se engajado pessoalmente a favor do processo de descolonização de
África durante o movimento pelas independências que teve o seu auge na década de
 60 do século passado.

Máscara produzida no Haiti. Foto: Minustah.
Herança Cultural

Lokua Kanza é um cantor congolês que se apresentou em setembro no Haiti num
concerto pela paz.
Dados oficiais sugerem que mais de 9 em cada 10 haitianos têm ascendência africana.
 Mas essa conexão é realmente reconhecida pelos jovens haitianos hoje? Foi o que
 perguntamos a este rapaz da comunidade de Cité Soleil.
O jovem haitiano cita alguns exemplos, segundo ele, de herança cultural como a dança
do voduísmo que diz saber que veio de África. Mas revela que os haitianos dançam
salsa e kompa que, apesar de diferentes das danças africanas, conservam semelhanças
nos ritmos e instrumentos de base. O que para ele, não impedem os haitianos de
sentir-se africanos.
A cultura é importante na identificação do elo entre as duas áreas geográficas. Para
visitantes do Haiti e os próprios haitianos, basta entrar em qualquer restaurante ou
local com música no país caribenho para sentir o som da África.
E não é só na música. Na pintura, a receita parece ser a mesma.
A etíope Meh Ron contou o seu fascínio com semelhanças nas artes visuais.
Segundo ela, os haitianos são bons em obras de arte. Mas quando se trata de recursos
 e infraestrutura, ela reconhece que o Haiti é mais pobre do que muitas das nações mais
 carentes do continente africano incluindo o seu próprio país: a Etiópia.


Cena de teatro com um modelo do taxi tap tap. Foto: Minustah
Continente Distante
Já esta moradora de Cité Soleil nunca parou para pensar neste tipo de relação
cultural.
Segundo ela, a África é um continente distante do qual ela sabe quase nada.
Para um condutor de Porto Príncipe, a escola ensinou uma outra lição
incluindo o tão esperado processo de independência de antigos colonizadores
 europeus.
Ele lembrou da disciplina de História que, nos tempos da secundária, lhe
permitiu aprender um pouco sobre a África incluindo a histórica Convenção de Lomé.
O pacto assinado em 1980 no Togo permitiu que colónias do Reino Unido,
da França, da Holanda e da Bélgica recebessem US$ 18 bilhões para financiar
 uma integração inicial na comunidade internacional com direito de livre acesso
aos mercados europeus e outros passos de uma soberania conquistada.

Comunidade Internacional

A cooperação do Haiti, com a comunidade internacional e não só outros países
africanos, foi ganhando força. Hoje, Jean Pierre Koumana, chefe do Banco
 Mundial e diz-se completo pela possibilidade de apoiar o "país irmão."
Como cidadão do Burundi chegou ao Haiti após ter passado dois anos no Gana.
Como conta, a primeira vez que pisou na ilha caribenha sentiu-se no Gana pela
semelhança com alguns bairros da capital Acra. E depois, disse ter verificado que
 algumas das pessoas têm a sua raiz no Golfo da Guiné: Togo, Benim e Acra no Gana.
Considerou importante que quando um cidadão africano chega ali, sente-se em casa
 e é bem recebido.
Jean Pierre conta que acha engraçado quando percebem que ele é africano e não fala
crioulo, dizem logo: Como estás africano? Para Jean Pierre, eles não têm muito clara
 a ideia de várias nações na África, mas olham o todo, como um continente uniforme.
A opinião é partilhada pela queniana Judy Otieno, a trabalhar no Haiti.


Mulheres de grupo cultural haitiano. Foto: Minustah.
Semelhanças
Ela disse que os haitianos são gentis e eles confundem-lhe com uma haitiana,
uma convicção que se desmancha, quando Judy revela não falar a língua local.
Ela diz haver semelhanças com o Quénia no engarrafamento e nos táxis coloridos,
 conhecidos no Haiti como tap tap e no Quénia como matato, até mesmo os sons são
 semelhantes.
Um momento marcante de solidariedade foi registado após o terramoto de 2010. Uma
 angolana casada com um haitiano liderou um movimento que mobilizou ajuda para os
afetados no Haiti.
Um esquema de contacto entre haitianos carenciados e patrocinadores em Angola
 enviou valores através de uma agência de transferência financeira. Um projeto que
Adelaide Costa Ferraz diz que não vai ficar por aí e explica porquê.
“Eles têm a identidade africana muito dentro deles. Você quando chega no Haiti
sente mesmo que está na África. A minha primeira impressão foi essa e eu disse:
 meu Deus, este é um país africano que Deus esqueceu no continente americano e
não teve tempo de puxar. Aquilo é mesmo África não tem nada de América.
Por isso, creio que a ligação entre Africa e o Haiti devia ser mais estreita. Esta
é minha inspiração. Se eu pudesse fazer esta ponte seria um grande objetivo
cumprido na minha vida. ”
A angolana disse que a resiliência dos haitianos em levantar dos infortúnios
prontos para a vida é uma herança africana. Mas os desafios no Haiti são revelados
 pelo jovem Júnior que, em português, disse que haverá algo por aprender dos visitantes.
Culturas
Ele disse que, como haitiano, sente que o governo “está um pouco fraco”.
Sente que a população não tem vagas e empregos mas os haitianos precisam
de condição para poder viver em paz.
Nos últimos momentos na ilha caribenha,  a música volta ao aeroporto e o som
 marcado da percurssão com a reconhecida influência africana. A memória do plátano,
 da mandioca e até o crioulo com tons de línguas africanas misturadas a palavras do
 inglês e do francês.
O encontro de culturas, expressões, crenças e raízes que com o passar de séculos
 e séculos remetem um pedaço do Haiti ao coração da África.
*Série produzida com o apoio da Missão Integrada das Nações Unidas no Haiti,
 Minustah.
Fonte: radioonu

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Mulheres Pretas

    Conversar com a atriz Ruth de Souza era como viver a ancestralidade. Sinto o mesmo com Zezé Motta. Sua fala, imortalizada no filme “Xica...