Apesar das inúmeras utopias sociais e políticas fracassadas desde a obra do filósofo Jean-Jacques Rousseau (século 18), que abre o surto utópico com a noção de "natureza perfeita", passando por autores como Marx (século 19) e chegando ao movimento hippie no século 20, o fato é que o mercado de ideias sobre o que fazer para vivermos juntos só vai aumentar, justamente porque a vida em conjunto é cada vez pior.
Muitos dos convidados para o ciclo Fronteiras do Pensamento São Paulo 2015 são especialistas em algumas dessas dificuldades. O viver juntos parece funcionar melhor quando o que está em jogo é a partilha de ferramentas para a resolução de problemas, como no caso da Wikipedia, cofundada pelo empreendedor americano Jimmy Wales, um dos convidados.
As dificuldades contemporâneas para uma vida compartilhada emergem de variadas fontes. Partindo do individualismo burguês, pautado pela lógica da eficácia em detrimento de noções como vínculo afetivo e moral, objeto de reflexão do filósofo espanhol Fernando Savater, passando pela violência vulcânica das redes sociais, essa masmorra virtual, e chegando aos dramas narcisistas vividos embaixo dos lençóis, as dificuldades formam um labirinto interminável de problemas e de teorias sobre esses problemas.
Mesmo no terreno das relações entre homens e mulheres, a ambivalência dos avanços é seguida pelo surgimento de efeitos colaterais nefastos. A expectativa das mulheres emancipadas de que seus homens sejam "meninas", pensando e sentindo como elas, tem sido objeto de atenção da ensaísta Camille Paglia há anos.
Já autores como o biólogo evolucionista Richard Dawkins, que também virá a São Paulo, pensam que a herança iluminista permanece sendo a melhor solução, pois troca as certezas intolerantes das religiões pelo conhecimento partilhado da ciência.
A seu favor está o gigantesco avanço do mundo tecnocientífico, mas contra ele surge o fato de que a ciência está longe de fornecer parâmetros morais claros para o convívio humano, como bem mostrou o século 20.
Uma das maiores dificuldades para a vida contemporânea estaria na estúpida fé do homem em sua suposta superioridade moral em relação à experiência animal total na Terra. Essa constatação do "ruído dos homens" em oposição ao "silêncio dos animais" (título de sua recente obra) leva John Gray, filósofo britânico trágico, a fazer a crítica da empáfia técnica e material contemporânea.
Das cavernas às redes sociais, o viver juntos não parece ter melhorado muito, principalmente quando falamos de bilhões de humanos ruidosos.
Luiz Felipe Pondé
Folhauol
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