Segundo a professora doutora da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), Maria Anória, estudiosa da área de Literatura Afro-Brasileira, o número de livros que abordam a temática racial, direcionados para crianças e jovens, aumentou bastante. Mas, de acordo com a pesquisadora, há também inúmeros “afro-oportunistas”, escritores não envolvidos com as relações étnico-raciais, mas que “aproveitam” o tema para se favorecer dentro da lógica do capitalismo, do lucro. “Muitos destes livros não rompem com os preconceitos raciais e com a visão equivocada de África. Há muitos afro-oportunistas”, frisa.
A doutora Narcimária Luz também afirma que a literatura infanto-juvenil, que menciona assuntos sobre raça cresceu no Brasil, mas pontua que há “deformações”. “Por conta da lei n. 10.639/03, que torna obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira nas escolas de nível fundamental e médio, muito se produziu sobre o tema. Muitas “deformações” viraram clássicos, mas não possuem nenhum vínculo com a comunidade africana, afro-brasileira, pois os autores inserem personagens negros a partir de uma visão euro-americana”, esclarece a autora de Obá Nijó, livro infanto-juvenil que conta a história de um menino, filho de africanos, que nasceu em Itapuã, na Bahia do começo do século XIX.
A professora Taísa Sena diz que leva para a sala de aula livros que se referem à cultura africana. Por um desses materiais, trabalhados na escola pela docente, trazer informações sobre o candomblé, a pedagoga disse que já foi “ameaçada” por uma mãe evangélica. “Ela disse que eu estava desrespeitando a religião dela porque eu falei, na sala de aula, sobre a religião de matriz africana”, menciona. Taísa ressaltou que percebeu a identificação dos alunos com o livro. “É importante esse tipo de discussão. Precisamos trabalhar as diferenças. Então, temos de trabalhar estas questões”, conclui.
A educadora Mileide Santos comenta, para o Portal Correio Nagô, que não é fácil levar a temática racial para a sala porque sempre há “choques”. “Os alunos do local que eu ensino são, em grande maioria, católicos ou evangélicos. É fácil se perceber o racismo. Por eu usar uma indumentária étnica, muitos, no início, não quiserem me aceitar como professora. O tema [preconceito] ronda a escola porque há muitas cenas de racismo. Eu trabalho muito com eles sobre isso, mas é um processo lento e contínuo”, acrescenta.
Maria Anória diz que é preciso formar mais professores “aliados com a luta para desativar esta ‘bomba’ que é o racismo, que corrói a nossa sociedade ao longo do tempo”, diz. Em 2014, Maria Anória lançou, pela editora EDUNEB, o livro “Áfricas e Diásporas na Literatura Infanto-Juvenil no Brasil e em Moçambique”, resultado da sua tese de doutoramento.
Racismo sala de aula – Em 2013, no estado de Amazonas, um grupo de estudantes se recusou a fazer trabalho sobre a cultura afro-brasileira. Neste ano, 2015, esta notícia tem sido muito veiculada nas redes sociais. Sobre essa questão, a doutora Narcimária Luz diz que com a lei 10.639 está encontrando terreno fértil para abordar a temática racial. “Há algumas décadas era impossível falar sobre o assunto. A lei está aí para desarmar. O negócio é não abrir mão dela. Antigamente, o racismo, na sala de aula, era feito na hipocrisia. Agora, é realizado a partir da violência”, argumenta.
Fonte: Da Redação do Correio Nagô
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