Cris Olivette
A fundadora da Cia. das Tranças, Chris Oliveira, era produtora de moda antes de criar um salão especializado em cabelo de pessoas negras. “Não gostava do atendimento que recebia nos salões e passei a cuidar sozinha de meu cabelo.”
O resultado foi tão bom que as pessoas começaram a elogiar e a perguntar quem cuidava de seus cachos. “No início, fiz alguns cabelos por hobby. Nesse processo, vi que muitas pessoas tinham a mesma infelicidade que eu, por não encontrar bons salões. Usei as críticas a meu favor e criei um salão como sempre sonhei encontrar.”
Após 12 anos, Chris comanda uma equipe com 13 profissionais. “Há dois anos cuido só dagestão da empresa, e tem sido ótimo porque nesse período o negócio cresceu 50%.” Ela diz que 80% de seu público é de mulheres. “Em relação a dreads e tranças, tenho um público masculino forte.” Chris diz que não são só negros que buscam penteados afro. “Recebemos japonesas, loiras, mas é claro que negros representam 80%.”
A atividade de Chris, engrossa o estudo que aponta crescimento de 29% no empreendedorismo entre negros, ocorrido em uma década. Os dados são da Pesquisa Nacional por Amostra em Domicílios (PNAD), feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que considerou o período entre 2001 a 2011. Segundo o estudo, o empreendedorismo entre negros passou de 43% para 49%.
O consultor de marketing do Sebrae-SP Marcelo Sinelli pondera, entretanto, que o que cresceu muito, na verdade, foi o número de pessoas que se declaram negras. “Para o IBGE, o critério que define se uma pessoa é negra ou não é a autodeclaração. É provável, que muitos já fossem empreendedores, mas não se declaravam negros.”
Sinelli diz que as transformações ocorridas na sociedade brasileira nos últimos 20 anos contribuíram para a mudança de postura. “Está tudo atrelado. O crescimento do orgulho de ser negro, a ascensão social das classes C e D, e o aumento do acesso à informação abriram uma série de oportunidades, estimulando negócios específicos, que podemos chamar de consumo étnico.”
A sócia da Xongani, Ana Paula Xongani (foto na capa), está entre os que privilegiam o consumo étnico. “Assim como outros negócios voltados ao público negro, a Xongani nasceu para cobrir uma lacuna. Não havia no mercado acessórios que valorizassem a cultura africana.”
Cristina, sócia e mãe de Ana Paula, afirma que a profissionalização da marca veio a partir da demanda. “Tudo foi concebido para atender as necessidades das mulheres da família. Com o tempo, recebemos encomendas e o negócio cresceu.”
Hoje, após quatro anos de mercado, a Xongani produz 26 itens como sapatilhas, brincos, pulseiras e turbantes. “No ano passado, lançamos nosso primeiro modelo de vestido de noiva afro-brasileira. Nosso principal diferencial está nos tecidos, importados da África”, diz Ana.
Além de vender pelo e-commerce, a marca vai aonde o publico está. “Participamos de grandes eventos realizados em todo o País como o Congresso Brasileiro de Pesquisadores Negros, Feira Preta, Afrolatinidades, Rua do Samba, Festa de São Benedito e Feijoada da Mãe Preta. Também visitamos eventos na periferia de São Paulo.”
Uma das precursoras desse movimento de valorização de produtos específicos para a população negra foi a fundadora da Muene Cosméticos, Maria do Carmo Valério, de 81 anos. “Foi muito difícil ajustar as fórmulas porque o Ph da pele negra é diferente. Tive de mudar várias vezes de químico.” No mercado há 25 anos, a Muene comercializa 121 itens, tendo como carro-chefe o pancake, com nove tonalidades.
Araújo (centro), criou agência especializada em modelos
negros há 14 anos. Hoje, seu book tem 200 nomes
Antes de fundar a agência HDA Model, Helder Dias Araújo era professor de passarela e coreógrafo na Bahia. “Vim para São Paulo praticamente sem dinheiro
. Trabalhei três anos em uma agência. Quando ela fechou, vi que não havia na cidade uma agência especializada em modelos negros. Agarrei essa oportunidade. Hoje, 14 anos depois, capacito e formo profissionais. Nosso book contém mais de 200 modelos.”
Ele conta que o curso de modelo tem 33 matérias como etiqueta, teatro, passarela, nutrição, maquiagem e postura. “Na metade do curso, que dura seis meses, eles participam de uma banca que avalia quem está tendo um bom aproveitamento e deve concluir a formação.”
Helder afirma que os aspirantes a modelo passam por avaliação e são indagados sobre os estudos. “É fundamental que o modelo continue estudando. Essa carreira é efêmera e muitas vezes ingrata. Eles precisam ter os pés no chão.”
O empresário diz que o mercado para modelos negros está crescendo. “Mas acredito que não foi o mercado que se abriu e sim, foi o negro que se conscientizou e está buscando seu espaço. Os negros perceberam, enfim, que a grande ferramenta é a educação, com ela é possível ir aonde quiser.”
Militância empreendedora impulsiona negócios
Formada em gestão de eventos e com especialização em arte e cultura, Adriana Barbosa é uma empreendedora engajada. Desde 2002, realiza anualmente a Feira Preta. “Criei a feira pela necessidade de haver um evento com esse recorte racial de segmentação, levando em conta não apenas o viés da militância mas sobretudo pela oportunidade de negócio. Não existia nenhuma feira com essa abordagem que reunisse produtos e cultura”, afirma.
Adriana conta que o evento começou com 40 expositores e hoje são 100 participantes de todo o País. “Em 2005, criei o Instituto Feira Preta que organiza ações culturais, festival de música, seminário de boas práticas em economia criativa e o curso Preta Qualifica, que capacita empreendedores que participam da feira, em áreas como formulação de preços e atendimento ao público.”
O treinamento é feito em parceria com o Sebrae. Mas o instituto também organiza capacitação ligada à área de cultura, que aborda assuntos como elaboração de projetos, captação de recursos e estratégia de comunicação. “O objetivo é dar aos artistas um olhar de gestão sobre sua própria obra.”
Segundo Adriana, existe um potencial grande a ser explorado nesse nicho. “A preocupação é saber se quem produz compreende as particularidades desse público, cada vez mais exigente, e se tem escala para atender a demanda crescente.”
A empresária conta que a terceirização de algumas etapas de seus negócios é feita por meio de redes que agrupam profissionais negros. “Uma delas é a Kultafro. Hoje, 70% das minhas produções são feitas por profissionais e empreendedores negros. Adotamos o conceito americano Black Money
, para fazer circular dinheiro dentro da comunidade negra.”
A diretora comercial da loja de bonecas Preta Pretinha, Joyce Venâncio, se inspirou em um sonho de infância para criar o negócio. “Quando minhas irmãs e eu éramos pequenas, queríamos ter bonecas negras e nossa avó fez bonecas com tecido marrom para nós”, diz Joyce. Em 2000, as irmãs se uniram para criar a loja que oferece, além de bonecas, brinquedos educativos, fantoches e bonecos de madeira.
“Não quisemos segregar produzindo só bonecas negras, elas são maioria, mas também temos orientais, muçulmanas, russas etc.” Joyce afirma que, com o tempo, viu que era necessário criar bonecas com enfoque na inclusão. “Hoje, temos bonecas cadeirantes, albinas e obesas, entre outras, que são muito usadas em aulas sobre inclusão.” Em 2010, elas também fundaram o Instituto Preta Pretinha, que promove oficinas e inclusão de pessoas carentes.
Fonte: http://blogs.estadao.com.br/sua-oportunidade/consumo-etico-aquece-negocios-entre-empreendedores-negros/
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