sexta-feira, 18 de agosto de 2017

"Ser escritora nunca foi uma ambição", diz poeta Bruna Beber

Os escritores Bruna Beber & milton hatoum posam para ensaio da Serafina de julho de 2017 ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
Foto: Bob Wolfenson
Os escritores Bruna Beber e Milton Hatoum posam para ensaio da Serafina de julho de 2017.

Quando Bruna Beber, 33, era adolescente e fazia testes vocacionais, artista constava entre as profissões que poderiam sair como resultado.
Mas a caxiense escrevia porque gostava de escrever. E, aos 22 anos, lançou seu primeiro livro. Passada uma década, é considerada uma das autoras em maior ascensão na literatura brasileira. Lançou há semanas "Ladainha", que recebeu cinco estrelas da crítica da Folha.
A pedido da Serafina, Beber se encontrou com Milton Hatoum, um dos maiores escritores vivos, e respondeu a perguntas sobre seu ofício.
Leia abaixo a entrevista com a poeta.
Em que você está trabalhando neste exato momento?
Estou finalizando um processo de tradução de livros clássicos norte-americanos infantis de poesia que comecei há oito meses. Foram sete livros ao todo, que começarão a ser publicados ao longo desse ano. Ao mesmo tempo, traduzi também um longo poema clássico europeu do século 19 que deve sair em breve.
Teve algum romance, conto ou poema que te levou a querer escrever? Qual, quando e, se já conseguiu diagnosticar, por quê?
Isso acontece com frequência, pois me sinto sempre recomeçando, tomando novo fôlego para escrever. Não para criar, porque não gosto da palavra criar, prefiro a palavra fazer. Uma vez li uma entrevista da Miranda July em que ela dizia que quando a gente encontra uma grande arte, se sente compelido a fazer (ou tentar fazer) algo em resposta. Lembro de quase todos os meus grandes encontros com livros, poemas e músicas, mas vou me concentrar nos decisivos de formação, dos 15 aos 20 anos:
1)"Angústia", do Graciliano Ramos. Ali eu senti a mordida, a mais fatal e intratável, dói até hoje;
2) "As Impurezas do Branco", do Drummond;
3) A imbatível dupla "Memórias sentimentais de João Miramar" & "Serafim Ponte Grande", do Oswald;
4) "Agora é que são elas", do Leminski;
5) "Tanto faz", do Reinaldo Moraes; e o poema "As árvores", do Arnaldo Antunes, que virou música com o Jorge Ben Jor.
Qual foi o momento em que você olhou no espelho e pensou: sou artista?
Comecei a escrever muito cedo, assim que aprendi a ler e a escrever, mas só fui tomar consciência de que escrevia e de que escrever era algo diferente do que os meus amigos faziam, quando comecei a mostrar a eles as coisas que havia escrito, na adolescência. No contexto em que cresci, ser artista nunca foi uma possibilidade, não existia esse tipo de questionamento. Na escola, na hora do teste vocacional, ninguém recebe o resultado "artista". Então, eu sempre escrevi, mas ser escritora nunca foi uma ambição. Até publicar o meu primeiro livro, aos 22 anos, eu nunca havia pensado que um dia publicaria um livro. Eu não conhecia pessoas da minha idade que publicavam livros, eu não sabia nem o que precisava ser feito para publicar um livro. Até que descobri e aconteceu, e então eu não tinha a menor noção do que viria depois, eu não esperava por nada, eu só queria publicar um livro e não sabia nem qual era o significado disso. Cinco livros depois, eu entendo um pouco mais, mas sei que nunca vou compreender de todo, não é a minha busca. A minha busca é fazer. Enfim, eu acho que isso tudo aconteceu porque antes mesmo de existir um planejamento, um cálculo, um contexto propício, um momento preciso, existia desde sempre, desde que me peguei ainda criança completamente encantada pelas palavras, existia um imenso e secreto desejo de fazer, de dizer, então eu sempre fui fiel a essa convocação que logo cedo senti, que me moveu e que eu nunca abandonei. Hoje a poesia é o meu principal ofício, que eu assumi não faz muito tempo, e que só virou ofício porque sempre foi e será um caminho.
Tem algum momento em que olhe no espelho e pense: não sou artista? Quando?
Repondo concluindo o textão acima: finalmente eu não me questiono mais sobre isso. Mas, até aceitar que "sim, eu faço um trabalho artístico". E depois "sim, eu faço um trabalho artístico mas como vou viver disso?". Passando por "sim, essa é a coisa que mais gosto de fazer, então eu tenho que dar um jeito dessa coisa ser o meu principal ofício". Culminou em "sim, eu faço um trabalho artístico, escrever é o que eu mais gosto de fazer, eu vou tentar fazer isso a maior parte do meu tempo, mas tem vezes que não vai dar e tudo bem, paciência". Hoje, que me entreguei totalmente a esse caminho, me sinto sempre em risco, uma formiga em risco. E gosto disso. Não reclamo de ser meu próprio patrão e também minha própria contadora, meu próprio office boy, minha própria produtora, até porque controlo o meu tempo. Então estou sempre trabalhando e resolvendo burocracias, cansada e sempre descansando, para nunca ter vontade de parar, porque essa inquietação às vezes é tão intensa que chega a ser paralisante.
Qual é seu conselho para alguém que quer ser escritor?
O óbvio: ler, ler, ler. Ir atrás das grandes e pequenas obras, ir atrás do risco, de todo tipo de arte. Escrever muito e reescrever muito mais. Sentar e fazer, como qualquer atividade, toda dedicação é recomendável. Já o resultado disso tudo é imprevisível, afinal nunca houve nem haverá garantias para ninguém. No mais, pessoalmente, aceitar a solidão e amá-la, cantar, caminhar, conversar e viajar sempre que possível.
Qual foi o melhor conselho que recebeu quanto ao ofício?
Quem não arrisca não petisca!
Que palavra define sua relação com a arte hoje?
Fazer.
Qual definia quando começou?
Solidão.
Se não fosse artista, seria o quê?
Dona de bar.
Há algo que todos deveriam ler?
Um livro chamado "Seis Mil Anos de Pão - A Civilização Humana Através de seu Principal Alimento", do historiador alemão Heinrich E. Jacob. Mudou a minha percepção, é uma espécie de livro sagrado, mas no lugar de Deus (ou como prefira chamar) está o pão. 

CHICO FELITTI
Fonte: Folhauol

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