Páginas da "Folha da Tarde" (SP) e da "Folha da Manhã" (RS) sobre a sessão em Gramado
Quase 40 anos depois da primeira exibição do filme "25 - A Revolução de Moçambique" na Mostra de Cinema de São Paulo inaugural, em 1977, vêm-me à cabeça cenas da famosa sessão de estreia do filme no Brasil. Era plena ditadura, eu e Zé Celso Martinez Corrêa, os diretores do filme, estávamos exilados havia vários anos terminando o filme e não podíamos retornar. A nossa cópia 16 mm foi enviada clandestinamente da França para participar da Mostra a convite de seu diretor, Leon Cakoff.
A inesquecível e histórica projeção no Masp transcorreu sem o certificado de censura, mas com várias intervenções da plateia, que tomava totalmente os assentos e escadas. Durante a sessão, no escuro do cinema, houve amostras de tudo o que era proibido então: palavras de ordem contra a "dura", furores revolucionários –ritmados pelo receio de uma invasão ou de repressão oficial na sala do Masp.
Era a primeira vez na ditadura que se via e se ouvia uma revolução em língua portuguesa. A mensagem era clara: descolonização, libertação! Portugal, África, Brasil.
"25" foi a luz no fim do túnel. Como uma chave mágica, encetou a era da abertura política.
Sua chegada fez soprar um "vento" vindo das terras africanas, um respiro no sufoco dos anos de chumbo. Prenunciou a saída de cena dos militares, a volta dos exilados, o fim da censura e a democratização. No Rio, houve sessões também no MAM, com direito a várias intervenções da plateia.
O voto do público quase consagrou o filme como o melhor da primeira Mostra de São Paulo. O júri elegeu, praticamente empatado com "25", "Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia", de Hector Babenco.
A recepção calorosa ao filme na Mostra forneceu a deixa para eu retornar da Europa e mostrar o trabalho Brasil afora.
No início de 1979, a convite do Festival de Gramado, o filme (ainda não liberado pela censura) foi mostrado numa sessão supertumultuada. O público e praticamente todos os cineastas brasileiros então presentes já estavam acomodados na sala quando apareceu um sujeito sombrio na cabine de projeção. O censor estava decidido a impedir a exibição.
Rapidamente desci da cabine e expliquei à plateia o que estava acontecendo. Indignado, o público decidiu pela exibição, mesmo sem autorização. O censor foi cercado pelos cineastas e, diante da confusão armada no saguão do festival, fugiu. A projeção teve então início.
Decorridos 20 minutos, a censura, com apoio de funcionários do hotel, fez nova investida. Conseguiu armar um blecaute no quadro elétrico geral, interrompendo a sessão. Seguiram-se brigas, tapas e bate-boca entre favoráveis e contrários ao prosseguimento. A direção do festival, temerosa de uma interdição, mas pressionada pelo público, decidiu restabelecer a energia, e a apresentação chegou a bom termo.
Na prática, tivemos que forçar a "abertura" em todas as cidades em que mostramos "25" e "O Parto", numa viagem que duraria dois anos e usaria toda e qualquer tela disponível, fosse em praças, ruas, teatros, auditórios, igrejas, ambulatórios ou até mesmo em boates.
Esse cinema mambembe e sempre improvisado partiu do Rio Grande do Sul, passou pelo Sudeste, espichou-se até o Nordeste e adentrou a Amazônia, percorrendo ao todo mais de 40 municípios que muitas vezes recebiam projeções de filmes pela primeira vez.
As peripécias da viagem estão reunidas no livro "Cinema Ambulante", que eu e Béatrice de Chavagnac publicamos pela editora Global em 1982.
Nota: "25" será exibido em SP, no Caixa Belas Artes, na mostra "África(s). Cinema e Revolução", que ocorre de 10 a 23/11.
CELSO LUCCAS, 64, diretor, fotógrafo e montador, conclui "O Condor e o Dragão", documentário sobre felicidade codirigido por Brasilia Mascarenhas e filmado no Butão e na Bolívia.
Fonte: Folhauol
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