José Fret Lau Chong é uma das memórias vivas da luta pela independência de São Tomé e Príncipe, conquistada a 12 julho de 1975. Era ainda um jovem quando se juntou aos nacionalistas são-tomenses que lutavam contra o poder colonial português. Diz que o fez para ver as ilhas livres da exploração.
No roteiro pela conquista da soberania nacional, Fret Lau Chong representou o Comité de Libertação de São Tomé e Príncipe (CLSTP) em várias frentes em Portugal, Alemanha e Marrocos.
Em entrevista à DW África, o antigo ministro da Informação, Justiça e Trabalho – cargo que ocupou entre 1975 e 1976 – negou, no entanto, que a implantação do regime do partido único no país após a independência tenha sido uma contradição.
DW África: Por que motivo ingressou no grupo dos nacionalistas que lutavam pela independência?
José Fret Lau Chong (JLC): Eu sou da geração que viveu o 3 de fevereiro de 1953 [massacre de Batepá]. Vi o sofrimento do nosso povo, das nossas mães, dos nossos pais e irmãs a serem humilhados na via pública, mulheres a serem apalpadas, outras esbofeteadas. Se refilassem seriam presas e imediatamente enviadas para Fernão Dias. Tudo isso criou em mim um sentimento de revolta. Eu sabia que para atingir o meu objetivo tinha que conquistar o saber para combater esse regime salazarista, que oprimia os nossos povos não apenas em São Tomé e Príncipe, como também em Angola, Moçambique, etc.
DW África: Por que é que optaram pela luta política em São Tomé e Príncipe e não apostaram na luta militar como nas outras colónias portuguesas (Angola, Guiné-Bissau e Moçambique)?
JLC: A luta militar era impossível. Primeiro, somos uma ilha isolada. O número da população e a consciência do nosso povo na altura [eram outros entraves]. E como é que se iria arranjar armas? Tinha que se pensar muito bem como isso deveria ser.
Mesmo Angola, que lutava clandestinamente, tinha o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) em Luanda e Holden Roberto no Congo. Também eles tiveram que começar do exterior para o interior e arranjar bases mais próximas do país para lutar.
DW África: A constituição do Comité de Libertação de São Tomé e Príncipe (CLSTP) na Guiné Equatorial deveu-se a limitações financeiras ou à falta de coesão no seio do grupo de trabalho?
JLC: Não. O CLSTP já existia quando foram para a Guiné Equatorial. Em países como a Guiné Equatorial, a Nigéria e o Congo, e mesmo em Portugal, havia núcleos de são-tomenses. E nos lugares onde era possível fazer-se a mobilização sem cair nas garras do inimigo, fazia-se.
Na Guiné Equatorial tivemos apoio do primeiro Governo do antigo Presidente Francisco Macias. Era preciso organizar o grupo que ali vivia para que eles pudessem organizar a luta. Tinha que se fazer propaganda para que as pessoas entendessem qual era o objetivo da luta de libertação de São Tomé e Príncipe.
DW África: Quase todo o movimento de libertação pela independência de São Tomé e Príncipe deu-se no exílio. Não houve apoio suficiente nas ilhas?
JLC: Nós tínhamos colónias são-tomenses por toda a parte. Tinha-se que mobilizar, sobretudo naqueles lugares, para depois fazer com que a luta se desenvolvesse no interior do país. No Congo e na Guiné Equatorial tínhamos essa campanha, em Ponta Negra e em Calabar, por exemplo. Daqueles pontos conseguíamos mandar emissários para contactar a nossa gente aqui no interior.
DW África: Qual foi o apoio que tiveram dos países africanos independentes como o Gabão?
JLC: O Gabão desempenhou um papel importante na nossa luta de libertação nacional e somos muito agradecidos pelo que o Governo gabonês fez por nós. Quando o CLSTP ganhou estatuto internacional, quando foi reconhecido pela Organização da Unidade Africana (OUA), já tínhamos feito, em Malabo, a transformação do Comité de Libertação em Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe (MLSTP). Conseguimos então introduzir o MLSTP no Gabão, embora em São Tomé já estivesse como CLSTP. E depois com o MLSTP tudo estava ainda mais facilitado, de maneira que a partir daqui pudemos trabalhar.
Grupo de colonos portugueses em São Tomé e Príncipe
DW África: A proibição das emissões radiofónicas, a partir de Libreville, sobre os ideais da independência foi um primeiro entrave?
JLC: Nunca houve proibição de emissões. O CLSTP na altura era controlado pelo poder, mas aqui é que não deixava entrar as emissões, quer dizer, os portugueses. Quando criámos o MLSTP, as condições já eram um pouco diferentes. E até assinarmos o acordo com os portugueses emitimos sempre daqui.
DW África: Lembra-se de algum episódio curioso na luta pela independência? Por exemplo, a composição do Governo?
JLC: Depois de assinarmos o acordo em 26 de Novembro de 1974, em que Portugal reconhecia a nossa independência e que tinha já prazos fixados para a formação do Governo de transição e depois a proclamação da independência, é claro que já tínhamos, mais ou menos, a ideia e a figura de quem podia, nesta primeira fase, governar o país. Não se pode dizer que chegou o dia 12 de julho de 1975 e nós não sabíamos quem ia governar. Na altura era apenas um partido e normalmente são [escolhidas] figuras desse partido.
DW África: Residiu na Alemanha no período antes da independência. Como é que avalia o posicionamento das duas Alemanhas, Ocidental e Oriental, no processo da luta pela independência contra o movimento colonialista na África lusófona?
JLC: Foram dos países que muito ajudaram o regime de Salazar com armas e munições para Portugal fazer a sua guerra colonial. Porquê? Porque tinham interesses. Assim, não havia independência, esses países continuavam a ter bons negócios com Portugal e Portugal continuaria a viver do nosso trabalho, do nosso suor, das nossas lágrimas para o bem do seu povo. Eles estavam do lado do chamado bloco ocidental.
Nós, com o advento da OUA, com o nosso trabalho externo, começamos a ganhar simpatia depois de sermos reconhecidos pela OUA. Claro que tivemos apoio dos países que naquela altura já defendiam a independência dos povos das colónias. Lembre-se que a resolução das Nações Unidas de dezembro de 1970 declarava que os povos coloniais deveriam ter a sua autodeterminação e independência.
José Fret Lau Chong estudou engenharia na Alemanha
DW África: Quando residia na Alemanha, era responsável pela informação e propaganda do CLSTP. Como é que desempenhava essas funções?
JLC: Quando se criou a CLSTP, eu já estava fora de São Tomé. Eu parti em 1954, depois estive em Lisboa, de onde saí em 1959. Estive em França até finais de 1960. Depois consegui chegar à Alemanha e, nessa altura, tivemos informação que daí poderíamos ter bolsas para prosseguir os nossos estudos.
Criou-se, então, a União Geral dos Estudantes da África Negra sob Dominação Colonial Portuguesa(UGEAN). Eu representei São Tomé nessa reunião e fui eleito secretário-geral para dirigir por dois anos a organização. Isso dava-me oportunidade de poder fazer parte do MLSTP porque era reconhecido. E embora tivesse a tarefa fundamental da organização no seio estudantil, eu era um quadro considerado pelo CLSTP e informava sobre a nossa luta. Éramos membros de pleno direito.
DW África: Pelo desenrolar do processo o senhor acha o país na altura e os nacionalistas estavam preparados para assumir os destinos de são Tomé e Príncipe?
JLC: Se nós pensássemos assim, não haveria luta de libertação! Sabíamos que o nosso povo queria ser libertado depois do massacre de 1953 e que deviam recuperar as suas terras que foram roubadas pelos colonos.
Sabiam que eram exploradas indiretamente porque só faziam trabalho de empreitada. Nunca aceitaram trabalho forçado. Isso fazia com que transportassem os trabalhadores como gado, de Angola, de Moçambique e mais tarde de Cabo Verde, para aqui. Já havia uma série de condimentos para fazer ferver esta panela.
A nacionalização das roças foi "um gesto patriótico", defende José Lau Chong
DW África: Na retrospetiva diria que houve erros na nacional dos setores chaves da economia como as roças de cacau e café?
JLC: Lembro-me que mesmo depois da independência, quando as coisas começaram a andar mal, dizia-se que se nacionalizou e que não se devia nacionalizar, que o processo foi mal conduzido. Não. Nós estávamos convencidos que deveríamos recuperar aquilo que era nosso. Sabíamos que era vontade do povo e acreditávamos piamente que, mesmo sem ter aqueles quadros, nos podíamos tomar a rédea da nossa economia.
Este gesto de nacionalização foi um gesto patriótico. Naquela altura houve colonos, que ocupavam propriedades pequeninas, que as abandonaram com salários em atraso só para nos tramar, porque sabiam que íamos tomar as roças. O que se pode dizer é que talvez não tenhamos tido tempo suficiente para preparar. Naquela altura não tínhamos quadros são-tomenses formados.
DW África: Os movimentos pela independência lutaram pelo fim do regime não democrática de Portugal em Africa mas acabaram de instalar regimes monopartidários nos países libertados. Não é uma certa contradição?
JLC: Não, não é contradição. Depois de nos tornarmos independentes íamos fazer um regime igual ao de Oliveira Salazar? Para isso não valia a pena lutar. Acomodávamo-nos como os salazaristas.
DW África: Lutou-se contra o regime salazarista, mas houve também a instalação do partido único. Isto não é uma contradição para si?
JLC: Não é contradição porque naquela altura tinha que ser. Não havia outro partido. Houve um partido que se quis formar depois da nossa independência, chamado Frente Popular Livre. Eles próprios dissolveram-se e juntaram-se ao MLSTP. Alguns dos seus representantes fizeram um trabalho valioso para o país.
Depois disso, e se durante a primeira fase da nossa luta começou a haver determinadas tomadas de posição que talvez não fossem as mais corretas, mesmo para a marcha do país, é natural que houvesse gente esclarecida que não podia aceitar isso. Por isso é que se diz que afinal de contas se ia fazer o mesmo que os portugueses fizeram.
Fonte: http://www.dw.de/sonho-de-jos%C3%A9-fret-lau-chong-era-ver-s%C3%A3o-tom%C3%A9-livre-da-explora%C3%A7%C3%A3o/a-17940074